Um lugar em que cerca de 30 mil pessoas negras foram livres por mais de 100 anos, com sistema próprio de administração, no começo do período da escravização no Brasil (entre 1580 e 1695). Palmares é mais do que um capítulo mítico da história, é um lugar que existe e pode ser visitado, o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, em Alagoas, a apenas 90 quilômetros de Maceió. É importante ressaltar que todo mundo precisa conhecer. E se não faz parte da sua lista de desejos de viagem pode incutir na conta do racismo estrutural que não deixa esse lugar ser reverenciado e conhecido como deveria, uma reprodução do período escravista em que as histórias e heróis negros eram sistematicamente apagados.
Quem vence as barreiras e chega ao local em que Zumbi viveu descobre outros personagens importantes na luta pela liberdade, como Acotirene, Aqualtune, Ganga Zumba e Dandara. Até por isso, Palmares é um destino para ser visitado com guia de turismo, que pode contextualizar e localizar cada fase e fato que por lá passaram. O meu foi o griô (contador de histórias) Helcias Pereira, que indico para todas as pessoas por ter sido um dos responsáveis pela reconstrução do parque, além de ser muito acolhedor.
As histórias não ficam apenas no passado e podem ser sentidas. O quilombo é um lugar de muitas energias, ancestralidade e transforma quem visita. “Toquei na árvore e senti meus ancestrais”, relata o produtor cultural e fotógrafo Heitor Salatiel. “É um marco da resistência negra. Lá era a terra da liberdade e, por isso, é uma viagem muito poderosa. Quando visitei, senti como se meu corpo e células tivessem se organizando, se reconectando. É algo físico”, diz a relações públicas Luciana Paulino. Por mais que eu tente descrever em texto, imagens e depoimentos é o tipo de lugar que você só compreende estando.
Cada espaço traz energias fortes. Entre eles, a lagoa encantada, o iroko (árvore do tempo), a contribuição dos povos indígenas. Para além de narrativas e sentimento de conexão com o passado, o parque é também sobre os silêncios, os barulhos da natureza e dos voduns. As famosas palmeiras que deram o nome ao quilombo continuam espalhadas pelo terreno. As cinzas do jornalista e militante do movimento negro Abdias do Nascimento foram espalhadas no entorno de uma árvore baobá que ainda ganha forma. A experiência é complementada com um almoço no restaurante da chef Mãe Neide, que serve comida da diáspora africana carregada de afeto e axé, e fica bem próximo do parque.
A viagem de Maceió até lá é tranquila, a BR 104 é boa e o percurso dura cerca de 2 horas. A imensidão que se vê a partir do Parque Memorial, onde ficava o quartel general dá a noção da grandeza do que foi. Afinal, a Serra da Barriga possui cerca de 28 mil quilômetros quadrados, que eram ocupados por vários quilombos.
É interessante porque o mocambo, como também era chamado, acaba com a morte de quem lá viveu em 6 de fevereiro de 1695. Zumbi só foi capturado e morto em 20 de novembro do mesmo ano, por isso nesta data é comemorado o Dia da Consciência Negra. Mas a história de Palmares não se resume a isso. Há um sentimento de que lutar vale a pena, afinal eles foram livres por longos anos, num período complexo da história. Viajar até esse território dá energia para guerrilhar contra os racistas de hoje que ainda não entenderam a magnitude e potência do povo negro. Além disso, cada pessoa negra carrega essa herança, essa ancestralidade e tem a missão de mantê-la viva. “Se Palmares não vive mais faremos Palmares de novo”, é uma frase do poeta José Carlos Limeira que virou grito do movimento negro como um chamado para se aquilombar, resistir e que eu replico aqui como uma convocação: “Vamos fazer Palmares de novo?”.
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