Lançado há 20 anos, Cidade de Deus (2002) não só colocou o Brasil em grande estilo no Oscar como se tornou o segundo filme de língua não inglesa mais visto do mundo. Mas, na época das filmagens, o diretor Fernando Meirelles não fazia ideia de que o longa seria um sucesso. Ele só começou a desconfiar do fenômeno que tinha em mãos quando recebeu um telefonema inesperado às 4h da madrugada.
“O Walter Salles [diretor de Central do Brasil] era um dos produtores também, mas não sabia muito do filme, não tinha acompanhado nada do processo. Como ele estava em Paris, eu fiz uma fita VHS com o filme e mandei para ele. Uma fitinha, para você ver como era na época (risos). E eu estava dormindo, 3h30 ou 4h30 da manhã, quando tocou o telefone de casa. Achei até que fosse algum acidente”, lembra Meirelles em conversa exclusiva com a Tangerina.
“Ele falou: ‘Fernando, é o Walter, cara. Esse filme é muito bom! Acabei de ver, é absurdo’. Ele falava, assim, chapado [de empolgação]. Falei: ‘Cara, são 4h30’. ‘Não, mas eu tinha que te ligar, é fantástico’. Pensei: ‘Nossa, se o Walter está achando tudo isso, para ele me acordar às 4h da manhã, o filme deve ser bom’.”
O cineasta admite que, antes do toque de despertar literal, sua visão era de que Cidade de Deus era uma boa produção, mas que jamais imaginou que aqueles personagens pudessem conquistar o mundo. “De jeito nenhum! Era um projeto que eu acabei bancando, com um elenco não profissional, uma equipe inexperiente. O Daniel [Rezende, montador] estava no primeiro filme, o roteirista [Bráulio Mantovani] era o primeiro filme, até o César [Charlone, diretor de fotografia] só tinha feito um longa antes”, ressalta.
“Era um monte de gente estreando no cinema, na frente e atrás das câmeras!”, conta Meirelles, que acabou indicado ao Oscar de melhor direção, enquanto Rezende, Mantovani e Charlone foram nomeados em suas respectivas categorias –na primeira vez que um longa brasileiro buscava uma chance em todos estes quesitos na maior premiação de cinema do mundo.
“Nós fizemos o filme, acabamos de rodar, foi bacana, aí o Daniel mostrou a montagem e pensamos: ‘Pô, ficou legal’. Todo mundo gostou, os produtores gostaram, mas ninguém tinha noção de que iria [chegar onde chegou]… Daí começamos a mostrar para pessoas que não tinham nenhum envolvimento, e o pessoal começou a achar muito bom. Mas no dia da ligação do Walter Salles foi que eu percebi que poderia ser melhor do que eu estava pensando, ali eu subi um degrau”, recorda.
Apesar de todo o sucesso, Fernando Meirelles confidencia que não gosta de rever seus filmes e que a última vez em que assistiu a Cidade de Deus foi em 2002 ou 2004. Questionado pela reportagem se é uma questão de autocrítica, ele explica que o desapego tem outro motivo.
“A gente vê tantas vezes enquanto está fazendo que chega um momento em que você sabe cada fala, sabe repetir o texto do filme inteiro, sabe que agora o cara vai olhar para o lado, que naquela hora vai entrar um figurante que olha para a câmera e ficou na montagem final. Chega uma hora que é insuportável, que cansa, porque não tem mais nada para você tirar dali, então eu não vejo”, justifica.
Vinte anos depois, porém, o cineasta compartilha que talvez esteja na hora de revisitar a obra. “Para falar a verdade, como a gente vai fazer a série de Cidade de Deus agora, eu estou querendo assistir ao filme de novo. Mas, realmente, a última vez que eu vi acho que foi em 2002 mesmo, ou talvez 2004.”