Citei o gráfico do Gartner Hype Cycle em minha coluna sobre o metaverso. Com toda a minha falta de modéstia, vou propor uma releitura desse gráfico que explica o desenvolvimento e amadurecimento de uma tecnologia até a sua adoção pela sociedade. Algumas pessoas me pediram para falar mais sobre isso.
O Ciclo do Hype é bem conhecido por pessoas que trabalham com tecnologia ou inovação. Apesar de ser um gráfico, ele na verdade mostra um conceito.
Basicamente o conceito aponta uma tendência humana de dar visibilidade exagerada para novas tecnologias. Isso é muito importante para pessoas e investidores que trabalham com tecnologia e inovação, o que hoje deveria ser traduzido como “todas as empresas do mundo”.
No gráfico fica bem claro o risco de apostarmos atenção ou dinheiro exagerado em uma tecnologia baseado nessa expectativa distorcida. Quem me acompanha deve lembrar agora dos meus artigos criticando esse entusiasmo exagerado em relação ao metaverso.
Pois bem, a primeira barriga do gráfico é justamente sobre isso. “Expectativas Exageradas” mostra esse glamour provocado e impulsionado por influenciadores, mídia tradicional e vendedores de livros e palestras, todos prometendo benefícios inimagináveis.
Mas com o tempo, a realidade não se mostra tão maravilhosa, e os resultados demoram para aparecer. A tecnologia se mostra fora de moda e chega no chamado “Vale da Desilusão”.
Com o tempo —e muito trabalho duro de empresas e profissionais que acreditam na inovação— a tecnologia continua a se desenvolver. Ganhamos um entendimento melhor e mais realista de suas aplicações para finalmente ser adotada por uma maior parcela do mercado, passando assim pelas duas últimas etapas do gráfico: o “Esclarecimento” e o “Platô da Produtividade”.
A primeira vez que citei o gráfico foi em um de meus livros lançado em 2006. Agora proponho uma revisão do gráfico, pois entendo que, para servir ao seu propósito de nos ajudar a fazer uma avaliação mais justa e planejamento mais correto, existe um dos momentos do gráfico que está mal representado.
A correção está na parte do “Vale da Desilusão”. Quando a expectativa exagerada não é cumprida, o que vemos é uma horda de resistência e ataques também de forma descabida e exagerada.
Abri a primeira agência digital do Brasil em 1994. Passei por todos os momentos da internet, inclusive pelo pico exagerado da bolha. Foi uma lição que todos aprendemos.
Mas essa lição foi tão sentida que poucos compreenderam uma segunda lição.
Após a explosão da bolha, quem trabalhasse com internet era considerado idiota ou picareta. Neste momento, a internet passou a ser uma mentira tão grande que só restavam essas duas hipóteses.
Por isso, acredito que a tradução para “Calha da Desilusão” seja mais apropriada.
Para citar um exemplo mais recente. Hoje temos analistas e experts em tecnologia defendendo que NFT é um golpe, uma pirâmide. Alguns apontam para o fato da grande maioria das artes em NFT não ser vendida e outros exemplos de fracasso.
O primeiro tuite de Jack Dorsey foi vendido por US$ 2,9 milhões. Seu comprador acreditava que ele valeria US$ 50 milhões no futuro. Porém, em um leilão recente, não recebeu propostas acima de míseros US$ 800.
O fato de um idiota ter pago cerca de R$ 15 milhões no NFT do primeiro tuíte não prova que NFT não presta, muito menos que seja um golpe. Apenas demonstra que alguém teve uma expectativa exagerada demais, porque talvez nunca tenha conhecido o gráfico Ciclo do Hype.
O ponto é que, assim como devemos ter cuidado com a expectativa exagerada, também devemos ter cuidado com a crítica desmedida.
Vale para profissionais que estão investindo em suas carreiras, empresas decidindo quais tecnologias trabalhar e investidores em quais empresas apostar.
Ser realista em tempos de redes sociais se tornou bastante complicado. O exagero é a única constante. Por isso, uma releitura do Gartner Hype Cycle agora faz mais sentido que nunca.