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Sandra Gamarra usa tons terrosos para criticar colonização – 09/12/2022 – Ilustrada

Sandra Gamarra usa tons terrosos para criticar colonização – 09/12/2022 – Ilustrada

No alto das cadeias andinas, as mulheres peruanas passaram horas a fio tecendo ponchos, mantas e xales. A tecelagem artesanal é uma tradição que garante o sustento daquelas famílias, adaptadas ao clima frio e ao ar rarefeito das montanhas.

Do trabalho de subsistência, a artista peruana Sandra Gamarra criou uma das obras, expostas na mostra “En Vías de Desarollo”, ou em desenvolvimento, agora na Galeria Leme. A série “Gradação” é composta por dez ponchos tecidos em lã de alpaca e ovelha pela mestra Elvia Paucar, que mantém as técnicas de tingimento tão característica das peças de roupa usadas na região.

Afixados à parede, os tecidos não são propriamente coloridos como o vestuário, mas respeitam a gradação das tonalidades da pele humana. Estendidos, os ponchos exibem, ao centro, uma abertura em forma oval, que lembra a semente de uma planta. Se os tons de pele remetem à superfície do corpo, a pequena esfera se relaciona com a própria natureza feminina, porque faz lembrar um útero materno.

Nascida em Lima em 1972, Gamarra se notabilizou pelo domínio das técnicas de pintura, mas sua obra é sobretudo crítica. Vivendo em Madri, na Espanha, a artista se vale do conhecimento pictórico para interferir na realidade política. Ela também criou um museu imaginário, o LIMAC, respondendo à ausência de um museu de arte contemporânea no Peru.

Sob o aspecto político, um dos principais temas de Gamarra é a ideia de apropriação, que está no cerne da história entre colonizadores e colonizados. Por isso, a série que dá nome à mostra é constituída por oito pinturas feitas sobre retratos do holandês Albert Eckhout, que esteve no Brasil entre 1641 e 1643, pintando paisagens e os povos locais.

Monocromáticas, todas as telas têm cor terrosa, alcançada a partir do uso de óxido de ferro vermelho, tom que lembra a cor dos Andes.

A artista busca desvelar o que está anterior —o passado peruano existente nas tradições manufatureiras ou, simplesmente, as imagens de indígenas cobertas pela substância avermelhada. Só não tem a mesma cor os pés e as mãos dos retratados, sempre em marrom, indicando um preenchimento inacabado ou em progresso.

Gamarra também questiona a ideia de desenvolvimento, como em “Quando as Batatas Assam”, terceira série da mostra, feita com fac-símiles de uma carta escrita por um indígena ao rei da Espanha. Nela, o autor relata todos os abusos aos quais os povos originários foram submetidos com a chegada da Coroa Espanhola.

Nos fac-símiles, Gamarra pinta diversos tipos de batatas —são mais de 400 tipos no Peru—, simbolizando a exploração econômica de seu país. Ela questiona, enfim, a própria ideia de desenvolvimento que, só para os colonizadores, foi sinônimo de progresso.

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