O que não foi revelado nessa primeira matéria é que além de funcionários públicos, responsáveis pela ordem e gestão pública em diversos âmbitos, esta viagem incluía dois diretores do Grupo Clarín. Trata-se do CEO da empresa, Jorge Rendo, e o sobrinho do dono do império Clarín, Pablo Cassey, diretor de Assuntos Legais. Não só estiveram presentes: foram os que convidaram e pagaram a viagem de luxo ao grupo, como se soube depois nas conversas.
Por isso, era necessário forjar comprovantes de pagamento: os juízes, o ministro portenho e agentes de inteligência federal foram convidados com uma viagem paga pelo maior veículo de comunicação, de grande impacto na opinião pública no país.
Apesar de o Página/12 ter sido o único veículo a reverberar a notícia do encontro secreto, o grupo de poderosos ficou alerta e reagiu. Assim, criaram o grupo de Telegram que, agora de conhecimento público, deu origem ao chamado “Lago Escondido Gate”, ou “chats do poder”.
A conversa inclui quatro juízes federais, um deles responsáveis por levar adiante a denúncia contra Cristina no caso das obras públicas: Julián Ercolini. Lotado em um tribunal em Buenos Aires, Ercolini inicialmente havia se declarado incompetente para tomar o caso, uma vez que as obras públicas estavam localizadas em outra província. Após o judiciário de Santa Cruz apontar a ausência de irregularidades no caso, Ercolini decide reabrir o caso que terminaria com a condenação da vice-presidenta.
“Há outro aspecto que é fundamental no lawfare, que é o jornalismo”, pontuou Cristina, em seu pronunciamento logo após a leitura de sua sentença no dia 6 de dezembro de seis anos de prisão e inabilitação política perpétua. “Para fazer essas condenações que não têm nenhum instrumento ou clivagem na Constituição, no Código Penal nem nas regulamentações administrativas, o que é indispensável, então? A cumplicidade da mídia”.
As capas dos jornais Clarín e La Nación destacaram, no dia seguinte, a condenação como “uma sentença histórica”. A notícia se deu em um 7 de dezembro, o que Cristina considerou um “presente”, um gesto dos “amigos juízes” às empresas midiáticas: foi também um 7 de dezembro, em 2012, a data estipulada pela Corte Suprema como prazo limite para que os meios de comunicação se adequassem à Lei de Meios de Comunicação.
A lei tem por objetivo impedir o monopólio midiático e favorecer o pluralismo de veículos, determinando um limite de licenças para tv, rádio e cabo por empresa. O Grupo Clarín foi ferrenho em impulsionar uma campanha detratora da lei, e conseguiu, por uma medida cautelar, impedir por anos a vigência do texto. Com a posse de Macri em 2015, a Lei de Meios foi desmanchada por meio de um decreto presidencial.
Pressão para julgamento político de ministro e procurador portenhos
O bloco da Frente de Todos convocou uma mobilização para sexta-feira (16), às 17h, no Ministério Público Fiscal na cidade de Buenos Aires, para exigir o julgamento político aos funcionários portenhos envolvidos no escândalo dos chats do poder, o ministro D’Alessandro e o chefe dos procuradores Bautista Mahiques.
Terão como lema “Fora mafiosos de CABA” [sigla de Cidade Autônoma de Buenos Aires] e “Que Larreta deixe de encobertá-los”, em referência ao prefeito da cidade: Horacio Rodríguez Larreta.
Após o vazamento dos chats, o ministro de segurança de Larreta foi enfático em sua contrariedade com o chefe da Polícia de Segurança Aeroportuária (PSA) na conversa com os juízes, em tom ameaçador. Nas mensagens, sugere persegui-lo ou “mandar buscá-lo”, uma vez que consideravam que a informação sobre a viagem ao Lago Escondido, publicada pelo Página/12, teria sido facilitada pela PSA. Sobre a viagem, Larreta sugeriu que o ministro teria “ido de férias”.