A menos de duas semanas da posse oficial, o terceiro mandato de Lula começou antes da hora com o abandono da presidência na prática pelo titular até 1º de janeiro, Jair Bolsonaro. Mas Lula, do alto da sua tão celebrada capacidade negociadora e conciliadora, parece estar escorregando em algumas cascas de banana.
ONDE LULA NÃO ESTÁ SENDO LULA?
- Na montagem do ministério. Aumentar o número de ministérios para 37 já mostra que está complicado acomodar todas as correntes políticas que formaram a frente ampla que levou à vitória nas eleições.
Diferentemente do que se poderia pensar, muitos ministérios podem não acarretar aumentos excessivos da máquina pública. Se os novos forem desmembramento de antigos, é mais uma rearrumação. O risco maior é se a divisão resultar em políticas não integradas e mesmo conflitantes, propiciando também desentendimentos entre ministros.
Até aqui, as pastas ministeriais já ocupadas mostram que Lula não está conseguindo fechar com nomes considerados ideais — por exemplo, Persio Arida, no Planejamento. São muitas as críticas à ausência de mulheres e negros, bem como a concessões consideradas demasiadas ao PT (Partido dos Trabalhadores).
- Na busca de recursos para programas sociais. O caminho mais fácil, em tese, era o da aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição). Mas, havia a possibilidade de uma medida provisória, com crédito extraordinário, garantindo dinheiro para um Bolsa Família de R$ 600 mensais até a aprovação de uma nova regra de controle de gastos públicos.
Lula calculou que, depois de garantir apoio à reeleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara em 2023, negociaria, com custos políticos moderados, uma PEC que assegurasse mais recursos fora da regra atual do teto de gastos, além dos necessários para o Bolsa Família, por pelo menos dois anos. Mas parece ter errado no cálculo quando se viu enredado no esquema do “orçamento secreto”, urdido por Lira para manter controle do Legislativo e interferir no Executivo. Lula parecia ter ficado refém de Lira.
Lula e seu governo podem ter sido salvos de permanecerem reféns de Lira, tendo a PEC da Transição como moeda de troca, pela decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), pela decisão desta segunda-feira (19), pelo voto do ministro Ricardo Lewandowski, que deu maioria à decisão segundo a qual as emendas de relator, nas quais se insere o orçamento secreto, são inconstitucionais. Também ajuda Lula a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, no domingo (18), retirando o Bolsa Família da regra do teto de gastos.
- Na indicação de Mercadante ao BNDES. Lula indicou o economista Aloizio Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, e coordenador técnico da equipe de transição de governo, para a presidente do BNDES, o banco de desenvolvimento econômico do governo. Fez a indicação, porém, antes de indicar quem ocupará o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), a quem, formalmente, o presidente do BNDES estará subordinado. O movimento expressa uma subversão desnecessária de hierarquia, deixando no ar a dúvida de por que Lula antecipou a indicação de Mercadante.
Todos sabem — ou deveriam saber — que Lula será o condutor da economia e que com ele não haverá aquela coisa tosca do “Posto Ipiranga” de Bolsonaro. Mas certos ritos e formalidades importam e Lula não deveria passar por cima deles. Antecipar a indicação de Mercadante.
O ministro que assumir o MDIC já chegará com poderes diminuídos. É possível que esse tenha sido um dos motivos da recusa de Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) ao convite para o cargo. Josué é filho de José Alencar, vice-presidente de Lula em seus dois mandatos presidenciais