A censura, seja qual for, parece-me uma monstruosidade, algo pior que o homicídio: o atentado contra o pensamento é um crime de lesa-alma.
Flaubert
No dia 13 de dezembro de 1968, o Brasil vivia um dos momentos mais tristes da sua história. Foi instituído o Ato Institucional nº 5, que passou a ser conhecido simplesmente como AI-5.
Segundo Rogério Sottili, do Instituto Vladimir Herzog, o objetivo foi o de reprimir o avanço das forças progressistas. De acordo, entretanto, com os adeptos do conservadorismo, a finalidade foi a de impedir, de uma vez por todas, que os comunistas tomassem o poder no país.
Esse Ato Institucional pode ser considerado uma radicalização dentro do próprio regime militar, um rompimento com a ala mais moderada do governo.
Ensinamentos
Há datas que devem ser comemoradas. Outras não. Todas, entretanto, devem ser lembradas. Algumas para que sirvam de exemplo e inspiração, fazendo com que as novas gerações baseiem suas iniciativas nas lições positivas deixadas por aqueles que nos precederam. Outras, ao contrário, para que sejam ensinamentos que impeçam a repetição de equívocos semelhantes.
Infelizmente, o homem, quase sempre, se recusa a aprender com a história. Tanto assim que erros cometidos em passado não muito distante são repetidos, até mais de uma vez, como se jamais houvessem ocorrido. Parece que as pessoas são contaminadas por uma espécie de amnésia que as impede de trazer à tona fatos negativos, até recentes. E reincidem.
Narrativas
Temos de levar em conta também que depois de algum tempo os acontecimentos vão perdendo a autenticidade, modificando sua real fisionomia e adquirindo “verdades” impostas pelas narrativas criadas sob as lentes do momento presente. Cada lado interpreta os fatos de acordo com suas conveniências e motivações. Ou seja, o que nos contam nem sempre é efetivamente a reprodução real do que ocorreu.
Há uma frase atribuída ao senador americano Hiram H. Johnson que ficou imortalizada. Ele a cunhou em 1917: “A primeira vítima, quando começa a guerra, é a verdade”. A propagação dessa afirmação ganhou força com a publicação do livro “A primeira vítima”, escrito pelo correspondente de guerra Phillip Knightley.
Nessa obra o autor revela como o jornalismo deturpou os fatos para divulgar mentiras a respeito das batalhas que se sucediam. Em suas mais de 600 páginas, ele discorre detalhes nauseantes. Segundo seu relato, os fatos eram distorcidos de acordo com os interesses de quem os divulgava.
Experiência pessoal
Eu vivi essa época do regime militar. Está em minha mente o receio de todos os colegas que serviam no Tiro de Guerra de Araraquara, no interior de São Paulo. Éramos obrigados a colocar proteção a uma boa distância do quartel, pois havia receio de que os “revolucionários” nos atacassem para roubar as armas.
Esse era um lado da história. De outro, havia um constrangimento que nos pressionava. Discursos de formatura e peças de teatro que escrevíamos, por exemplo, antes de serem apresentados diante do público, precisavam passar pelo crivo do diretor da escola. Qualquer dúvida que ele pudesse ter era motivo para que censurasse o texto.
Duas versões
Eu mesmo tive de escrever uma peça de teatro diferente daquela que apresentamos. Ou seja, havia uma versão para o diretor e outra distinta para a plateia. E sempre com aquela espécie de espada sobre a cabeça: cuidado porque os homens podem aparecer de uma hora para outra. O tempo todo com medo.
Por isso, independentemente das motivações que levaram o governo militar a promulgar o AI-5, e qualquer que seja a linha ideológica de quem avalie o fato, há uma verdade que precisa ser levada em conta nessa análise: não podemos mais permitir que as liberdades sejam suprimidas.
Não aprendemos
Jamais pensei que teria novamente essa preocupação. Hoje tenho. A cada texto que escrevo, preciso ler e reler com lupa para me certificar de que não escapou nada que poderia ser censurado. Perdi a minha liberdade intelectual.
Ao produzir cada artigo, penso nos políticos, jornalistas e empresários que foram presos e tiveram suas redes sociais banidas. Nada muito diferente do que vivemos no período mais agudo dos governos militares. Talvez até pior, já que naquela época censuravam “trechos”, enquanto hoje censuram “pessoas”.
Este 13 de dezembro é, portanto, uma boa data para refletirmos o que está acontecendo em nosso país. Até quando esse temor da censura irá nos perseguir? Será que já não tivemos experiências suficientes para aprender com os erros apurados pela história?
Superdicas da semana
- “A censura poupa os corvos e maltrata as pombas.” – Juvenal
- “Suportam melhor a censura os que merecem elogio.” – Pope
- “A gente tem que multiplicar os pensamentos a tal ponto que não haja mais número suficiente de policiais para controlá-lo.” – Stanislaw Jerzy Lec
- “Com censura, dois dedos de prosa são dois dedos perdidos.” – Fraga
Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: “Como Falar Corretamente e sem Inibições”, “Comunicação a distância”, “Saiba dizer não”, “Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo” e “Oratória para advogados”, publicados pela Editora Saraiva. “29 Minutos para Falar Bem em Público”, publicado pela Editora Sextante. “Oratória para líderes religiosos”, publicado pela Editora Planeta.