O núcleo interno da Terra quase parou de girar recentemente e teria invertido o sentido de sua rotação, segundo um estudo publicado na revista científica Nature Geoscience nesta segunda-feira (23).
O artigo é assinado por Xiaodong Song e Yi Yang, da Universidade de Pequim, na China, que pesquisam o fenômeno desde 1995 e se dizem “bastante surpresos”. O estudo se baseou na análise de abalos sísmicos ocorridos ao longo das últimas seis décadas.
Os resultados podem ajudar a desvendar muitos mistérios das profundezas da Terra, como o papel que o núcleo interno desempenha na manutenção do campo magnético do planeta e na velocidade de rotação do planeta — e, portanto, na duração dos dias –, explica a Nature Geoscience.
“Mas eles [os resultados] são apenas a última parcela de um longo esforço para explicar a rotação incomum do núcleo interno, e podem não ser a última palavra sobre isso”, pondera a revista.
Camadas da Terra
A Terra é composta de várias camadas: a crosta, o manto, o núcleo externo e o núcleo interno, o lugar mais inacessível do nosso planeta.
Trata-se de uma bola quente e densa de ferro sólido, mais ou menos do tamanho de Plutão, localizada a mais de 5 mil quilômetros de profundidade, cercada por um núcleo externo líquido que permite que a porção mais interna gire de maneira diferente da própria rotação da Terra. É uma espécie de “planeta dentro do planeta”.
A rotação do núcleo interno é impulsionada pelo campo magnético gerado no núcleo externo e equilibrada pelos efeitos gravitacionais do manto.
De acordo com os autores, saber como o núcleo sólido interno gira poderia esclarecer como as camadas da Terra interagem. A velocidade dessa rotação e se ela varia tem sido objeto de debate na comunidade científica há anos.
Como o estudo foi feito
Não é fácil estudar o inacessível centro da Terra, mas a sismologia é um método alternativo para isso: os terremotos geram ondas sísmicas que se propagam pelo interior do planeta, e algumas passam pelo núcleo.
Para conduzir a pesquisa, Yang e Song analisaram ondas sísmicas de terremotos quase idênticos que atravessaram o núcleo interno da Terra seguindo trajetórias semelhantes desde a década de 1960.
Os autores do estudo disseram ter concluído que a rotação do núcleo interno “quase parou por volta de 2009 e então girou na direção oposta”.
Eles descobriram que as trajetórias que anteriormente mostravam variação temporal significativa sofreram poucas mudanças, sugerindo que a rotação do núcleo interno parou. Eles também descobriram que isso pode estar relacionado a uma reversão da rotação do núcleo interno como parte de uma oscilação de sete décadas.
“Acreditamos que o núcleo interno gira, em relação à superfície da Terra, para frente e para trás, como um balanço”, disseram os pesquisadores à agência de notícias AFP.
Essas mudanças podem ligar o núcleo interno a fenômenos geofísicos mais amplos, como o aumento ou diminuição da duração dos dias na Terra em frações de segundo.
Os pesquisadores também concluíram que essa oscilação na rotação do núcleo interno demonstra a interação entre as diferentes camadas da Terra, resume a revista.
Segundo os pesquisadores, “um ciclo de oscilação dura cerca de sete décadas”, o que significa que o núcleo muda de direção aproximadamente a cada 35 anos.
Eles disseram que, além de 2009, isso já havia ocorrido no início dos anos 1970 e preveem que a próxima reviravolta será em meados dos anos 2040.
“Esperamos que nosso estudo possa motivar alguns pesquisadores a construir e testar modelos que tratem toda a Terra como um sistema dinâmico integrado”, disseram.
Cautela
Especialistas não envolvidos no estudo expressaram cautela sobre as descobertas, apontando para várias outras teorias e alertando que muitos mistérios sobre o centro da Terra permanecem.
“Este é um estudo muito cuidadoso realizado por excelentes cientistas que trazem muitos dados”, disse John Vidale, sismólogo da Universidade do Sul da Califórnia. “[Mas] nenhum dos modelos explica todos os dados muito bem, na minha opinião”, acrescentou.
Vidale publicou, no ano passo, uma pesquisa sugerindo que o núcleo interno oscila muito mais rapidamente, mudando de direção a cada mais ou menos seis anos. Seu trabalho se baseou em ondas sísmicas de duas explosões nucleares no final dos anos 1960 e início dos anos 1970.
Tal momento equivale a por volta do ponto em que a pesquisa publicada na segunda-feira diz que o núcleo interno mudou de direção — o que Vidale chamou de “uma espécie de coincidência”.
Outra teoria — que Vidale disse ter boas evidências para apoiar — é que o núcleo interno só se moveu significativamente entre 2001 e 2013 e permaneceu parado desde então.
Hrvoje Tkalcic, geofísico da Australian National University, publicou uma pesquisa sugerindo que o ciclo do núcleo interno ocorre a cada 20 a 30 anos, em vez dos 70 propostos no estudo mais recente. Para ele, “a comunidade geofísica continuará dividida sobre essa descoberta, e o tópico permanecerá controverso”.
Ele comparou os sismólogos aos médicos “que estudam os órgãos internos dos corpos dos pacientes usando equipamentos imperfeitos ou limitados”.
Na falta de algo como uma tomografia computadorizada, “nossa imagem do interior da Terra ainda está embaçada”, disse ele, prevendo mais surpresas pela frente.
Isso pode incluir mais dados sobre uma teoria de que o núcleo interno pode ter mais uma bola de ferro dentro dele.
“Algo está acontecendo, e acho que vamos descobrir. Mas pode levar uma década”, diz Vidale.