Pelo seu lado, Lula vinha fazendo uma transição exemplar. Brilhou na conferência da COP27, passou por Lisboa e, por causa de um desconforto médico, terá uma semana de relativo repouso.
Desde sua vitória nas urnas, formou uma equipe de transição com 417 pessoas e 31 grupos de trabalho. Um brilhante espetáculo cenográfico. Pôs na mesa a PEC da Transição e tropeçou na responsabilidade fiscal. Afora ele, não há no firmamento do novo governo uma só voz autorizada. (Abundam vozes desautorizando-se, mas assim é a vida durante as alvoradas do poder.)
Falta pouco mais de um mês para o início do governo e não é bom que isso aconteça. Se do outro lado da cerca estivessem presidentes como Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, o vácuo seria irrelevante. Do outro lado está Jair Bolsonaro, calado, enquanto ainda há estradas bloqueadas e circulam mensagens sibilinamente golpistas como a do doutor Augusto Nardes.
É verdade que a Copa do Mundo sedará muitas emoções, mas Lula poderia colocar em campo pelo menos uma voz autorizada. Ele dispõe de companheiros fiéis para desempenhar esse papel sem pensar numa próxima nomeação.
A barafunda da PEC da Transição arrisca misturar-se com algum tipo de blindagem do orçamento secreto. Mesmo assim, o presidente da Câmara, Arthur Lira, foi ao ponto: “Não tem ainda o projeto, não tem ainda o texto, não tem ainda o autor, não tem ainda as assinaturas”. Pior: não tem nada próximo ao número mágico do ervanário de que o governo precisa.
Pode-se entender que Lula não queira anunciar a escolha deste ou daquele ministro, mas não colocar na cena uma única voz autorizada é exagero. Deixar o presidente do Banco Central sem interlocutor é maluquice.
Tancredo Neves elegeu-se indiretamente cavalgando uma verdadeira frente democrática formada por um saco de gatos e, ainda assim, tinha vozes autorizadas. Na economia, por exemplo, tinha Francisco Dornelles. Ele falava pouco, mas o que dizia tinha sentido e respaldo. Enquanto Dornelles conversava, a bolsa de apostas colocava o banqueiro Olavo Setúbal no ministério. Aberto o jogo, Dornelles foi para a Fazenda, e Setúbal, para o Itamaraty.
À falta de vozes autorizadas surgem as vozes que se autorizam. São economistas, parlamentares e comissários. Essa espécie, por exemplo, atira contra a senadora Simone Tebet. Há um mês, quando legitimava o arco de alianças eleitorais de Lula, podia ser o quisesse. Hoje, nem tanto. Quando Tebet declarou seu voto por Lula no segundo turno, associou-o à questão da democracia. O tempo passa e acredita-se que Lula foi eleito por isso ou por aquilo. O ingrediente democrático foi decisivo, mas, passada a eleição, ele vai parecendo secundário.
O golpismo está vivo e vivo continuará a partir de janeiro. Lula não terá a oposição tucana de 2003. O que vem por aí é uma inimizade feroz, pronta para práticas que transformarão iniciativas como as do juiz Sergio Moro em brincadeiras de crianças.
Em 2010, quando foi publicada a primeira notícia sobre o tríplex de Guarujá, Lula vivia as delícias do seu segundo mandato e pouca importância se deu ao caso. A OAS, dona do imóvel, era uma poderosa duquesa na nobiliarquia dos empreiteiros. Deu no que deu.
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