Nas últimas semanas o presidente eleito, Luis Inácio Lula da Silva (PT), resolveu disparar uma séria de frases contra “um tal de mercado financeiro” e seus “especuladores malvadões” e, a pretexto de uma preocupação legítima com os mais pobres, sugeriu que deixaria o teto dos gastos públicos de lado para atender o que chamou de responsabilidade social.
Entretanto, o futuro presidente não poderia estar mais equivocado ao propor esse falso dilema. Mais do que isso, ao fazer constantes afirmações que dão a entender seu descompromisso com a boa gestão das contas públicas (responsabilidade fiscal), Lula está contratando uma crise econômica futura que pode desaguar em uma situação de estagflação (inflação com recessão).
Para entender a questão, é importante ter em mente que o “tal do mercado financeiro” nada mais é do que o local onde vários preços de ativos financeiros importantes para o bom funcionamento do lado real da economia são formados a partir da interação entre compradores e vendedores.
Por exemplo, no mercado de títulos públicos são definidas as taxas de juros primárias, que são aquelas que balizam todas as demais taxas na economia. Toda vez que o presidente dá uma declaração como as recentes, a desconfiança no mercado cresce sobre a capacidade do Estado brasileiro de arcar com sua dívida no futuro. Com isso, os potenciais compradores de títulos passam a exigir um prêmio adicional pelo risco que correrão, o que, consequentemente, implicará juros mais elevados, tornando mais caro o crédito para o empresário e para o consumidor.
Com isso, menos investimentos produtivos (construção de novos negócios) serão realizados e a economia gerará menos emprego do que poderia. Da mesma forma, o crédito para o consumidor (muito usado pelos mais pobres) encarecerá, elevando o custo da aquisição de bens para os mais necessitados. Ou seja, o pobre perderá duas vezes; sem emprego e com crédito mais caro.
No caso da Bolsa de Valores, a perda de valor de ações implica ao menos dois efeitos ruins. O primeiro é a perda de riqueza de muitas pessoas que têm recursos aplicados em fundos de investimentos, de pensão, etc.. E a riqueza também é um dos determinantes do consumo, que ajudam a movimentar a economia.
O segundo efeito envolve o desincentivo a que as empresas captem recursos no mercado acionário, cujo custo de capital tende a ser mais baixo. E, neste caso, novamente criamos o círculo vicioso de desestímulo a investimento produtivo.
Se olharmos para o mercado cambial, a elevação do preço do dólar (derivada da preocupação com seu valor futuro por parte de investidores estrangeiros e até mesmo nacionais) tem impacto direto sobre vários preços na nossa economia.
A variação cambial afeta não só o preço de produtos importados, mas também outros preços que são parametrizados em dólar, como é o caso dos combustíveis, que, por sua vez, entra na matriz de custo de vários bens fabricados e transportados no país.
Aliás, até a picanha prometida pelo Lula poderá subir, dado que a carne brasileira é exportada e seu valor fixado em dólar lá fora. Assim, quando a moeda estrangeira sobe de preço, o produtor nacional acaba por elevar o preço em reais internamente para equalizar com o valor recebido no mercado internacional.
Fato é que as falas de Lula criam uma expectativa ruim nos mercados financeiros e o impacto que geram no lado real da economia não é neutro. Ao contrário, é muito ruim e afetam principalmente os mais pobres.
Vale lembrar ainda que suas falas também transferem riqueza entre participantes dos mercados financeiros. E neste ponto, quem tende a ganhar mais são exatamente os especuladores profissionais citados por Lula.
São eles que estão dispostos a tomar o risco adicional derivado das oscilações criadas pelo futuro presidente, comprando os ativos na baixa. Aliás, os tais especuladores têm uma função estabilizadora nos mercados, posto que são eles, muitas vezes, que entram comprando quando a maioria quer se livrar dos ativos, com medo do futuro.
Já os pequenos poupadores, que tendem a ser aversos ao risco, acabam por perder dinheiro nesse momento, dado que acabam por se desfazer de ativos financeiros na baixa e fugir do mercado, na expectativa de que a situação se agrave ainda mais.
Mas o pior desta discussão é que não existe um dilema entre responsabilidade fiscal e social. Com uma carga tributária beirando os 35%, o que temos é um setor público extremamente ineficiente e inchado, com gastos que não refletem as demandas sociais. Ao contrário, nosso orçamento tem sido construído para atender aos interesses de determinados grupos ou políticos.
E nesse aspecto, a fala recente do economista Persio Arida foi precisa sobre a necessidade de elevarmos a eficiência no setor público (com privatizações e reforma administrativa), mudarmos nossa estrutura tributária caótica e regressiva e promovermos um processo de abertura comercial definitiva.
Se caminharmos neste sentido e, em vez de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Transitória, trabalharmos em uma PEC que “Definitivamente” desengesse nosso orçamento público, permitindo realocar gastos carimbados para determinados grupos para gastos efetivamente sociais, a questão da responsabilidade social será plenamente atendida, sem a necessidade de furarmos o teto dos gastos.
A questão que resta é saber se Lula entrou para efetivamente trabalhar para os mais pobres ou se apenas manterá seu discurso populista e continuará a ser o velho político acostumado a atender interesses de seus grupos mais próximos.