A reforma tributária é a maior aposta econômica de Lula neste início de governo e, por isso, tem tudo para ser a primeira grande discussão do parlamento que tomou posse na quarta-feira (1º). As mudanças prometidas pelo presidente Lula devem ser fatiadas em duas etapas:
(1) IVA: a unificação dos tributos sobre o consumo em um único imposto de valor agregado, que até agora foi batizado de IBS;
(2) A reforma do imposto sobre a renda, tanto da pessoa física quanto das empresas, assim como a tributação de lucros e dividendos e dos super-ricos.
Do ponto de vista legislativo, devem ser duas propostas, as mais prováveis são a PEC 45/2019 para o IVA (pontos da PEC 110 devem ser incorporados, assim como novas sugestões) e um novo projeto de lei para a reforma do imposto sobre a renda.
O governo pode tentar aprovar o texto da reforma do IR já aprovado na Câmara e parado no Senado (PL 2337/2021), mas ele enfrentou resistências na tramitação e por isso apresentar outra proposta não é uma hipótese descartada.
Grande aposta econômica do governo Lula para o primeiro ano de mandato, a reforma tributária sempre enfrentou grandes resistências, e por isso desperta um certo ceticismo quanto às reais possibilidades de aprovação.
Politicamente, o cenário é mais favorável do que nos últimos anos, especialmente para a PEC 45. Os motivos:
- Há um alinhamento maior entre o Executivo e o Congresso em relação à espinha dorsal das PECs 45/2019 e 110/2019. Na gestão Bolsonaro/Guedes, o governo discordava do Congresso em vários pontos e a reforma acabou não sendo aprovada.
- Um dos formuladores da PEC 45, Bernard Appy, é o secretário especial do ministério da Fazenda para a reforma tributária.
- O partido do autor da proposta, o MDB de Baleia Rossi, é da base de apoio do presidente Lula e teve do governo o compromisso de priorizar a reforma.
- O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além de ter mostrado boa vontade em apoiar as pautas do governo, sinaliza que quer “entregar” a tributária para ter a mudança como uma marca da sua gestão no comando da Câmara.
O que diz o texto da PEC 45?
A proposta de Baleia Rossi (MDB-SP) foi relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), cotado para assumir novamente a relatoria.
O relator fez uma proposta unificando pontos da 45 com a PEC 110, que tramita no Senado e é muito semelhante à 45. Isso aconteceu na comissão mista do Senado. Depois da apresentação do relatório de Aguinaldo, a PEC 110 sofreu alterações na tramitação do Senado.
O relatório de Aguinaldo cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o que também chamamos de IVA nacional, em substituição a cinco tributos: PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. Para simplificar o sistema atual, a tributação sobre consumo é cobrada apenas no destino final das mercadorias e serviços. Está prevista uma transição de seis anos, já que o setor de Serviços irá pagar mais do paga hoje (ficando mais próximo do que a indústria paga hoje). Estados produtores também perdem arrecadação com a reforma.
O texto da PEC 110 previa uma IVA Dual (dois impostos, um com a unificação dos impostos federais (PIS+Cofins+IPI), e outro com o imposto estadual, ICMS e o municipal, ISS).
Ambas propõem um Imposto Seletivo (IS) de arrecadação federal. Seria o que conhecemos por “imposto do pecado”, criado para desestimular o consumo de alguns bens como cigarro e bebidas alcoólicas, por exemplo. A lista de bens não está na PEC 45, e seria definida por lei posterior ou medida provisória.
Há ainda sugestões de entidades, que não estão em nenhuma das PECs mas nada impede que sejam incorporadas, como da inclusão do Pasep e da Cide-Combustíveis ao IVA.
Quais são as maiores resistências?
A indústria apoia a reforma pois a sua carga, hoje mais elevada do que a dos outros setores, tende a ser reduzida, além do benefício da simplificação. Mas o setor de serviços e o agronegócio tendem a pagar mais após a reforma, pois ela deve acabar com regimes diferenciados.
“Não há estudos que comprovem que a reforma não vai aumentar a carga tributária do agronegócio, mas a gente acredita que sim, pois se hoje eu tenho uma redução de ICMS para produtos do agro e a PEC 45 traz um modelo sem tratamento diferenciado entre os setores, como a carga do agronegócio não vai aumentar? O PIS/Cofins também há vários produtos com alíquota zero, diferimento, tem o IPI da agroindústria. E tem ainda a transição, que deve deixar uma bagunça. O que a gente defende é simplificação do que já existe. Outro problema grave é que aumento do imposto do agro será aumento do preço dos alimentos, o que é um problema para todos. É justo você tributar igual um Iphone e um pacote de arroz?”, diz o tributarista Gabriel Hercos, coordenador do Geta (Grupo de Estudos da Tributação do Agronegócio).
Os entes federados, Estados e municípios, também temem queda de arrecadação com a unificação de ICMS (estadual) e ISS (municipal). Como eles têm influência política sobre deputados e senadores, a reforma precisa estar bem amarrada com esses atores.
O que diz a reforma do Imposto de Renda, já aprovada na Câmara, mas parada no Senado?
Importante: o governo deve mandar uma nova reforma de IR, portanto o que já foi aprovado será rediscutido. Mas o texto que já foi aprovado pelos deputados, e certamente sofrerá alterações, pode servir como sinalizador de mudanças viáveis:
- No projeto, o imposto sobre o trabalho é reduzido, com o aumento da faixa de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais, com reajustes também para as demais faixas. Na campanha, Lula prometeu isenção para salários de até R$ 5.000, mas a equipe econômica já disse que não há espaço no Orçamento 2023 para isso.
- A alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) é reduzida de 15% para 8%.
- O adicional de 10% previsto na legislação para lucros mensais acima de R$ 20 mil continua valendo.
- A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) é reduzida 0,5 ponto percentual em duas etapas, condicionadas à redução de incentivos tributários que aumentarão a arrecadação, passando de 9% para 8% (exceções: bancos, de 20% para 19%; e demais instituições financeiras, de 15% para 14%).
- Os lucros e dividendos passam a ser taxados com alíquota única (e não progressiva como o PT defende), em 15%.
O que Lula e o PT têm dito da taxação de super-ricos?
Apesar de ter defendido publicamente a taxação de grandes fortunas durante a campanha, é pouco provável que a ideia seja levada à frente, tanto pelo governo quanto pelo Congresso. O que o governo Lula quer, e o ministro Fernando Haddad disse que será uma prioridade no segundo semestre, é a chamada “regressividade do sistema tributário”, especialmente sobre o capital.
A equipe econômica do PT defende que a tributação sobre o capital seja progressiva (assim como no Imposto de Renda, quem ganha menos em valores absolutos teria alíquotas menores), abrindo a possibilidade de isenção para o pequeno investidor.
A tributação também levaria em conta os impostos pagos pelas empresas que distribuíram os lucros ou dividendos, para evitar que a alíquota efetiva total sobre o capital não seja maior do que a praticada na maioria dos países, para o Brasil não perder investimentos. Com uma alteração nesse sentido os super-ricos pagariam mais impostos, mas não em um imposto sobre grandes fortunas.