Feliz ano novo. Essa deveria ser uma coluna sobre tendências de tecnologia para 2023. Mas quem quer saber do futuro quando o presente é som e fúria?
Os atos de vandalismo em Brasília, ocorridos no último domingo (8), inauguraram a temporada de discussões sobre como a Internet (e em especial as plataformas de vídeo e redes sociais) contribuem para o agravamento da radicalização e da violência política.
Mas engana-se quem pensa que essas pessoas saíram das redes para invadir e depredar prédios públicos. A invasão e a depredação ocorreram nas e para as redes. Basta ver a quantidade de vândalos fazendo live e gritando palavras de ordem não para quem estava em volta, mas sim para quem estava do outro lado da tela.
A invasão de Brasília não foi apenas televisionada. Ela foi seguida, curtida, compartilhada, retuitada e sobretudo monetizada.
É aqui que entra a atuação da Advocacia Geral da União. Dentre os vários pedidos feitos pela AGU ao Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, alguns estão diretamente relacionados à formação, divulgação e monetização dos atos de vandalismo nas redes.
A AGU pediu que o STF ordene que as plataformas de mídia e redes sociais identifiquem e removam vídeos que incentivam a invasão e depredação de prédios públicos. Solicitou também que esses conteúdos não sejam monetizados.
A medida é acertada. A desinformação, assim como o golpismo, é um negócio. O que não falta nas redes são contas que vivem de postar conteúdos a favor de intervenção militar e que atacam a integridade das eleições. Esses conteúdos são ilegais e infringem os termos de uso das plataformas.
Mas o modelo de negócio da desinformação e dos delírios golpistas não vive apenas de seus seguidores. Muita gente achou graça dos vídeos de manifestantes marchando em frente aos quartéis ou comemorando a chegada de notícias falsas. E com isso ajudaram a compartilhar ainda mais esse tipo de conteúdo, gerando engajamento e monetização.
A maior dificuldade desse tipo de pedido feito pela AGU reside na definição de quais conteúdos deveriam ser atingidos pela medida. E essa bola ficou com as plataformas. Em regra, a remoção de conteúdos deveria mirar endereços e links específicos, sob pena de nunca se saber quando efetivamente uma decisão foi ou não bem cumprida.
Uma terceira medida solicitada pela AGU foi a guarda de dados de geolocalização que permita a identificação dos celulares de quem estava na Praça dos Três Poderes e no Quartel-General do Distrito Federal.
Essa medida pode ser efetiva. Se você estava às 15hs do último domingo dentro do prédio do STF, do Congresso ou do Palácio do Planalto – e não trabalha lá como segurança – pelo menos a invasão de prédio público já entrou na sua conta. Ferramentas de geofencing, que revelam os celulares ativos dentro um certo espaço, foram adotadas para identificar muitos dos invasores do Capitólio, nos Estados Unidos.
O ano de 2023 vai ser marcado pelo debate sobre como as plataformas de mídia e redes sociais podem incentivar comportamentos violentos. A Suprema Corte dos Estados Unidos vai decidir um caso em que se procura responsabilizar o YouTube pela radicalização de pessoas que se juntaram ao Estado Islâmico para cometer atentados com vítimas fatais.
Essa conta não é simples, já que inúmeros fatores levam alguém a realizar atos de violência. De toda forma, é importante que o debate aconteça e que, no que diz respeito ao presente, os responsáveis pelas invasões e depredações em Brasília sejam identificados e punidos.
As medidas solicitadas pela AGU vão na direção certa e dão a cara do que será o debate sobre regulação das redes sociais em 2023, misturando um olhar sobre o funcionamento das redes, suas ferramentas e como elas impactam a formação de visões de mundo e identidades de seus usuários.
Se radicalização gera engajamento, que o seu combate possa também ser curtido e compartilhado.