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Homem Interior propõe charada moral e duelo de gênios – 01/12/2022 – Luciana Coelho

Homem Interior propõe charada moral e duelo de gênios – 01/12/2022 – Luciana Coelho

Qualquer um pode ser um assassino, basta encontrar a pessoa certa. A frase de Jefferson Grieff, personagem de Stanley Tucci, conduz a minissérie em “Homem Interior”, um exercício moral travestido de suspense, em cartaz na Netflix.

O “qualquer um”, no caso, é um vigário impelido a blindar o filho de uma acusação escabrosa e um genial criminalista que espera a execução por matar a esposa. O britânico David Tennant (de “Doctor Who”) e o americano Tucci (“Spotlight”) interpretam, respectivamente, o religioso e o acadêmico.

O duelo de atuações entre dois grandes nomes de sua geração é só um dos motivos para ver a minissérie, que tem quatro episódios e funciona em estrutura teatral, com poucos cenários, muitos diálogos e um eixo no qual revolvem meia dúzia de personagens.

Do texto ágil de Steven Moffat, a mesma cabeça por trás de “Sherlock”, sai um dilema moral sedutor: dadas as condições de pressão e temperatura ideais, seríamos todos capazes de matar ou será que um temor maior –consciência, lei, Deus– nos frearia?

É com essa dúvida que Harry, o vigário diligente de uma comunidade britânica, se confronta quando Janice (Dolly Wells), a professora particular de seu filho adolescente, abre um pendrive com cenas de pedofilia e vê o aluno como único culpado possível.

O instinto faz Harry acorrer para a frente do garoto, a fim de tomar a acusação para si. O pendrive, contudo, não é de um nem de outro; é de um fiel que lhe havia entregado para escapar de uma revista da mãe dominadora. Não importa, a confusão está instalada.

O vigário tranca Janice no porão de casa e precisa decidir com a mulher (Lyndsey Marshal) se a professora sairá viva. Porque Moffat não é qualquer autor, a própria Janice se introduz no debate, pesando prós e contras do assassinato.

E é assim que Jefferson, o personagem de Tucci, entra na história. A professora envia uma imagem borrada do agressor à última pessoa que contatara, uma jornalista (Lydia West) que viajara para o outro lado do oceano a fim de entrevistar o criminalista-assassino sobre seu talento na resolução de crimes.

Sim, a espiral formada pelos personagens, na qual as posições de algoz e presa se desloca o tempo todo, é intrincada e, por vezes, inverossímil.

Mas é esse mesmo exercício de embaralhar os lugares que a torna fascinante para o espectador interessado em filosofia, ética e outros aspectos da natureza humana. E para quem não estiver com paciência para nada disso, tudo bem, dá para apenas se divertir sem compromisso.

Com tantas tramas que dependem de reviravoltas sobrenaturais e maneirismos de câmera, efeitos ostensivos ou edição histérica no ar, é curiosa a escolha do roteirista (e da Netflix) por uma história tão cerebral em tempos de capacidade de atenção diminuta.

O diretor Paul McGuigan, que já havia trabalhado com Moffat em “Sherlock”, empunha a câmera com a necessária sobriedade e algum humor.

Cabe ao espectador deixar a segunda tela de lado e mergulhar, absorto, no jogo que “Homem Interior” propõe.

Os quatro episódios de ‘Homem Interior’ estão disponíveis na Netflix.


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