De saída do ministério da Economia após quatro anos, Paulo Guedes é alvo de avaliações extremas, em geral contaminadas pelo viés político do interlocutor. Por alguns considerado um dos melhores ministros da história do país, por outros responsabilizado por uma herança maldita de buraco nas contas públicas, fome, salários e aposentadorias achatadas.
Eu conversei com dois economistas, André Perfeito e Carla Beni, na tentativa de chegarmos a uma avaliação técnica do trabalho de Guedes nesses quatro anos: o que ele fez de bom e que não deve ser abandonado pela próxima gestão, e pontos que são alvo de críticas.
Para André Perfeito, economista com forte atuação no mercado (foi economista-chefe da corretora Necton antes de tirar um período sabático), a análise do trabalho de Guedes deve ser feita partindo de dois pontos principais:
- Guedes é um economista liberal, ortodoxo e que age pelo lado da oferta, e sua atuação foi coerente com o seu perfil.
- Ele teve pouco tempo de atuação em situação de relativa normalidade, já que sua gestão sofreu os impactos da pandemia, da guerra da Ucrânia e do ano eleitoral.
“Um economista liberal como o Paulo Guedes não age no alarde da macroeconomia, mas sim no silêncio da microeconomia. Falar de Paulo Guedes é falar de uma série gigantesca de medidas microeconômicas que foram adotadas. de fato a gestão dele foi marcada por uma melhoria na gestão digital, marcos regulatórios setoriais, conquistas brasileiras que vão melhorar a produtividade no longo prazo. O ajuste ortodoxo do lado da oferta só gera efeito no longo prazo, depois que os preços caem. Então é injusto acusar o Guedes de não ter gerado crescimento econômico a curto prazo.”
Outro ponto positivo na opinião de André Perfeito, e que não deve ser abandonado pela próxima gestão, que será de economistas heterodoxos, linha contrária de Guedes, é o fomento da indústria de capital privado.
“Paulo Guedes quis forçar o tecido econômico para o mercado financeiro mais tradicional e criou uma indústria de capital, e não estou falando de Bolsa, mas de crédito privado, que é absolutamente gigante. Seria muito ruim se o PT resolvesse reestatizar isso”.
Para o economista, Guedes pecou nos pontos abaixo:
Ajustes sem controle: O teto impôs uma série de cortes na máquina pública que não foram pactuados de forma adequada, chegando-se ao ponto de se acreditar que deputados e senadores pudessem alocar melhor recursos do que uma estratégia centralizada (orçamento secreto), o que acabou desarticulando fortemente a forma do Estado agir.
Não é razoável fazer um ajuste deixando as universidades sem dinheiro ou tirando o remédio da farmácia popular. Mesmo os precatórios, se trocou uma dívida que seria em Selic, por uma dívida que é reajustada em precatório.
Falta de coordenação: O governo do Bolsonaro foi marcado por uma forte desorganização na esfera federal, entre os ministérios, e quando chegava no Paulo Guedes, ele saía cortando sem critério. Foi uma execução perversa para o Estado. Não podemos colocar tudo na conta do Paulo Guedes porque o governo Bolsonaro deveria ter articulado isso melhor. Esse tipo de atuação foi danosa. E cito como exemplo a abertura do cadastro do INSS para todo mundo receber esse ano sem critério. Guedes pecou muito porque não tendo um presidente que coordenasse, ele poderia ter feito isso e não fez.
Superávit primário: Paulo Guedes estourou o teto, mas a arrecadação está subindo, e portanto as contas públicas estão em ordem, mas a um custo, o Estado está se “fagocitando”. Você tem que rever rubricas do Estado, mas isso foi feito de forma descoordenada. Conseguir superávit desse jeito, na minha opinião, não vale. Dando calote em precatório não vale.
Carla Beni é economista e professora de MBAs da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Olhando pelos indicadores, ela aponta que Guedes entregará um país com alguns indicadores positivos em relação a 2018 (queda no desemprego, na relação dívida bruta/PIB, crescimento do PIB, superávit primário) e outros negativos (aumento na taxa de juros, na inflação e desvalorização do real frente ao dólar, salário mínimo sem ganho real).
Carla concorda com André Perfeito que Guedes tem um legado positivo nos marcos setoriais e no governo digital.
Ela cita como pontos positivos da sua gestão:
Reforma da Previdência: A reforma tem relevância, mas estava negociada antes no governo Temer, e é alvo de crítica por ter cortado benefícios por morte e invalidez a ponto da transição ter que rever isso, por outro lado deixando os militares de fora do aperto.
Autonomia do BC: Positiva. Entramos em patamar internacional onde esse é o padrão.
Privatizações: Guedes prometeu R$ 1 trilhão em privatizações e está entregando R$ 401 bilhões (75,4 bi de dólares). É abaixo da promessa, mas 12% acima do que ocorreu entre 1980 e 2018 (volume de 67,5 bi de dólares).
Mas é importante esperarmos para ver se a modelagem foi boa para que o serviço seja bom.
Redução de impostos: Promoveu redução linear no IPI, mas o que foi valorizado foi jet ski, videogame, whey protein. O corte do ICMS dos combustíveis gerou um problema para os estados, além de ter sido eleitoreiro.
Faltou uma reforma séria, pois ele promoveu reduções específicas e não fez uma grande reforma para reduzir a desigualdade.
Marcos setoriais: promoveu novas regulações de saneamento, gás, cabotagem. O acesso até 2033 para o saneamento é algo muito relevante, precisa ser acompanhado para em dez anos eliminarmos a tragédia de metade do país não ter saneamento básico. Esse marco foi muito relevante.
Formalização do país na OCDE: há margem para críticas. Houve avanços em 108 requisitos, mas ainda não está resolvido.
Desburocratização: nova lei dos cartórios, nova lei das falências, que facilitam a vida do cidadão, além do e gov.br, essa digitalização foi importante.
Carla Beni também tem críticas importantes à gestão Guedes:
Superávit primário e crescimento do PIB: Guedes vai entregar, mas é fruto de cinco quebras do teto em acordo com o Congresso. O governo gastou R$ 700 bi fora do teto tanto para a pandemia quanto para demandas eleitorais.
Guedes também mudou a métrica de distribuição de lucros e dividendos, e foi o grande beneficiário dos lucros da Petrobrás, alterando para período trimestral também da Caixa, Banco do Brasil e outras estatais.
Foi uma manobra, com a antecipação de dividendos de 2023 ele está se beneficiando de resultado positivo, e esses 3% de crescimento do PIB foram inflados.
É um resultado estrategicamente alterado para dar resultado positivo, é um falso positivo. Não é sustentável. Ele não fez mudanças para produzir superávit daqui para frente.