Por enquanto, a melhor analogia para o rombo que levou as Americanas ao pedido de recuperação judicial é a do desastre aéreo.
Cada vez que um avião cai, peritos dissecam destroços, recuperam comunicações de pilotos e torre, refazem equações para encontrar, via de regra, não uma causa, mas vários fatores que interagiram, na pior ordem possível, para a queda, as mortes e o prejuízo.
A diferença entre incompetência e fraude:
- Do ponto de vista legal, no entanto, faz diferença saber se foi incompetência ou fraude. No primeiro caso, as consequências jurídicas são apenas no âmbito civil.
- Já a fraude está no campo penal, o que envolve responsabilização individual e, em caso de condenação, eventual pena de prisão.
- Um bom começo é a Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (lei nº 7.492/86): dois a seis anos de reclusão para quem “induzir ou manter em erro sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente”.
- Na primeira vez em que falou aos bancos sobre o buraco de R$ 20 bilhões no balanço, Sergio Rial (o CEO que ficou nove dias no cargo) disse que as operações de risco sacado (quando bancos antecipam pagamento a fornecedores das Americanas mediante deságio) não vinham entrando na contabilidade de dívida com bancos há “seis ou sete anos”.
- Sabedoria popular: quando alguém erra da mesma maneira grosseira durante tanto tempo, talvez não esteja errando, mas fazendo de propósito.
- Se ficar demonstrado que o começo de tudo (manipular a coluna de dívidas no balanço) foi mesmo fraude, a longevidade do esquema (“seis ou sete anos”) só foi possível graças a, agora sim, incompetência.
- Do ponto de vista de quem viu suas economias derreterem com Americanas, não há diferença se os responsáveis por omitir dívidas dos balanços foram incompetentes ou cometeram fraude. É a consequência econômica – a destruição de bilhões de reais de acionistas, credores e investidores – que provoca mais dor.
Quem dormiu no volante:
- A PwC, uma das maiores firmas de auditoria do mundo, ainda está devendo explicações. É esta empresa a responsável por auditar o balanço das Americanas desde 2019.
- Uma ressalva: auditores não são policiais treinados a apanhar malfeitores em flagrante, principalmente no caso teórico da direção da empresa estar envolvida.
- Mesmo assim, é difícil entender como foi possível camuflar, por tantos anos, despesas tão relevantes sem que isso tenha gerado qualquer desconfiança dos auditores.
- Este colunista procurou a PwC em busca de explicações. A resposta da assessoria: “A PwC não comenta casos de clientes”.
- Para não perder o hábito de profetizar o que já estava no preço da ação, as agências de rating cortaram a nota das Americanas para o grau de calote. Só depois a companhia conseguiu a primeira liminar para não pagar dívidas.
- A área de risco dos bancos também precisa dar algumas explicações. O montante bilionário que liberaram estava aparecendo no balanço a cada trimestre?