Não importa a marca de seu smartphone, computador ou da TV de sua casa. Muito provavelmente, todos eles foram, ao menos parcialmente, fabricados na China. A dependência das fábricas chinesas, especialmente para a produção de itens de alta tecnologia, tornou-se um ponto de atenção para autoridades americanas e europeias, que se esforçam para “trazer de volta para casa” suas linhas de produção.
A dependência fabril chinesa tornou-se particularmente preocupante quando, no auge da pandemia de covid-19, o mundo fazia fila para importar respiradores e máscaras do tipo N95. Ironicamente, para que americanos e alemães pudessem fabricar os itens de proteção em casa e suprissem suas necessidades, tiveram que importar equipamentos… Da China.
Capitaneadas pelos Estados Unidos, que se preocupam com uma possível (inevitável?) supremacia chinesa no estratégico mercado de tecnologia, diversas empresas ocidentais se esforçam para tirar da China parte de seu parque fabril.
É o caso, por exemplo, da Apple, que gradualmente diminui sua exposição à China, sem, no entanto, abrir fábricas em seu país de origem, os Estados Unidos. Atualmente, os maiores investimentos fabris da Apple fora da China estão na Índia.
Seguindo regulações americanas, fabricantes de chips como Texas Instruments e Intel elevam sua produção “doméstica”, evitando terceirizar fábricas. Um estudo publicado pela Bloomberg Intelligence, no entanto, demonstra que a taxa de lucratividade de departamentos que projetam e desenham chips é de 60%, ao passo que os ganhos de montar e imprimir processadores estão na casa dos 17%. Ou seja, trazer as fábricas para casa significa investir em um segmento da indústria de mais baixa lucratividade.
Mais: produzir na China é (muito) mais barato. Os custos de energia, a excelência da infraestrutura logística, a disponibilidade de máquinas e componentes e, claro, a oferta de mão de obra treinada e disposta a trabalhar mais que seus equivalentes americanos ou europeus são mais vantajosos na China.
Há, portanto, nesse movimento “Saindo da China”, um claro conflito de interesses. Do ponto de vista dos Estados altamente desenvolvidos, ao contrário do que acontecia nos anos 1980 e 1990, quando a ordem era terceirizar linhas de produção, há um desejo de proteger sua economia e sua hegemonia tecnológica, retirando ativos de um competidor em ascensão – no caso, a China. Mas, do ponto de vista das empresas desses mesmos países altamente desenvolvidos, há um óbvio interesse em permanecer na Ásia por duas razões.
A primeira é, claro, manter seus custos baixos, o que lhes permite aferir lucros maiores. A segunda é aproveitar sua presença na China… Para conquistar o mercado local que é simplesmente o maior do mundo em número de consumidores.
Enquanto tal contradição enfraquece os esforços do Ocidente, a China segue desenvolvendo marcas e tecnologias próprias para desafiar a liderança de americanos e europeus, o que coloca esses últimos em uma situação peculiar. Como mudar suas fábricas e assumir custos mais elevados justamente no momento em que precisarão competir com marcas asiáticas de menor custo e qualidade ascendente? A resposta, até o momento, é desconhecida.