Diretora da Escola de Economia e Ciência Política de Londres defende que o cuidado familiar não remunerado seja transformado em trabalho valorizado e pago Na edição do domingo, o jornal “O Globo” publicou reportagem mostrando que a população brasileira vai envelhecer e diminuir antes que o país tenha chegado a um padrão de bem-estar social semelhante ao de nações desenvolvidas. De acordo com análise da economista Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, as quase 700 mil vítimas da pandemia anteciparam a redução populacional para o fim desta década – pelas estimativas anteriores, isso só aconteceria na segunda metade da década de 2030. Um em cada quatro brasileiros terá 60 anos ou mais em 2040 e, sem investimentos em educação e para erradicar a miséria, seguiremos no nefasto “pódio” dos campeões em desigualdade.
Minouche Shafik, diretora da Escola de Economia e Ciência Política de Londres e autora de “Cuidar uns dos outros – um novo contrato social”
Divulgação
Pesquisas em 140 países mostram que metade dos adultos, nas economias avançadas, não poupou para a velhice. Nas nações em desenvolvimento, o percentual chega a 84%.
O trabalho da repórter Cássia Almeida me levou a reler “Cuidar uns dos outros”, o último livro de Minouche Shafik, diretora da Escola de Economia e Ciência Política de Londres. Com um capítulo dedicado à velhice, ela enfatiza a necessidade da criação de um novo contrato social: uma espécie de conjunto de normas e leis que estabelece o que devemos uns aos outros em sociedade.
“Raramente pensamos sobre as forças maiores que determinam nosso destino – o país em que nascemos, as atitudes sociais predominantes em determinados momentos da História, as instituições que governam nossa economia e política. Esses fatores mais amplos estabelecem o tipo de sociedade em que vivemos e são os determinantes mais importantes de nossa experiência humana”, escreve.
O que a economista afirma é que necessitamos de um novo modelo que faça frente aos desafios do mundo contemporâneo. Lembra que, pela tradição, os idosos eram cuidados pelas mulheres da família, mas o cenário mudou diante da expectativa de vida mais longa e da presença da mão de obra feminina no mercado de trabalho – sem contar o fato de que, na maioria dos países de renda média e alta, os cidadãos podem passar um terço da sua existência aposentados. Três soluções vêm sendo testadas: elevar o limite de idade para se aposentar, aumentar as contribuições ou reduzir o teto das aposentadorias.
“Isso significa incentivar as pessoas a economizar mais para a velhice e a trabalhar por mais tempo, mas também, como rede de segurança, garantir uma aposentadoria mínima para todos, de modo a evitar a miséria na velhice no caso dos mais vulneráveis, em especial as pessoas de baixa renda e aquelas, principalmente mulheres, cujas carreiras foram interrompidas”, defende a autora.
Ela ressalta que, quanto maior o grupo que contribui para um sistema previdenciário, mais eficiente e sustentável ele será. No entanto, reconhece que autônomos ou trabalhadores temporários ficam numa situação vulnerável e necessitam de uma rede de proteção: “ao exigir das empresas que empregam trabalhadores flexíveis contribuições previdenciárias em nome deles, também podemos reduzir o incentivo para que os empregadores usem contratos atípicos apenas para economizar”. Outra opção seria o Estado contribuir para a aposentadoria dos autônomos que ganham muito pouco, a fim de incentivá-los a poupar para a aposentadoria. Ou simplesmente aumentar o número de pessoas economicamente ativas – por exemplo, mantendo as mulheres no mercado ao eliminar políticas de discriminação e investindo na prestação de cuidados para crianças e idosos.
Para atender os que não têm condições de viver de forma independente, diz que o desafio é implementar políticas que deem suporte ao atendimento domiciliar pelo maior tempo possível, o que incluiria transformar o cuidado familiar não remunerado em trabalho valorizado e pago: “a assistência aos idosos é separada do sistema de saúde, resultando em inúmeras deficiências, mais obviamente quando são internados em leitos hospitalares caros, enquanto estariam em melhor situação em casa se tivessem um pouco de apoio”, explica. Por último, sinaliza sobre o papel da tecnologia, através da telemedicina e de sistemas de monitoramento. Na liderança está o Japão, que investe em robôs cuidadores, capazes de medir os sinais vitais, lembrar a hora de tomar medicamentos, estimular a prática de exercícios e ligar para o serviço de emergência.