O governo eleito entregou aos parlamentares o texto da chamada PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, que pretende alterar as regras fiscais e viabilizar a manutenção de programas sociais e o cumprimento de promessas feitas por Lula (PT) durante a campanha eleitoral, como garantir o pagamento dos R$ 600 do Auxílio Brasil, que vai ser rebatizado de Bolsa Família.
A proposta prevê a retirada do Bolsa Família por tempo indeterminado do teto de gastos — regra que limita o crescimento das despesas do governo ao Orçamento do ano anterior mais a correção pela inflação — e permite que o governo gaste em 2023 cerca de R$ 200 bilhões acima do limite previsto para as despesas. O documento, apresentado pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), também cria a possibilidade de ampliar despesas com investimentos quando houver receitas extras. Entenda abaixo:
Licença para gastar. A PEC é uma forma de tentar abrir espaço no Orçamento e serviria como uma alternativa para furar o teto de gastos.
No Orçamento apresentado ao Congresso em agosto, o governo de Jair Bolsonaro (PL) propôs um valor de R$ 105 bilhões para o pagamento do Auxílio Brasil, montante que só cobriria R$ 405 por beneficiário no próximo ano.
O próximo governo busca uma licença para fazer gastos extras para garantir a manutenção do valor do benefício em R$ 600 para as 21 milhões de pessoas cadastradas no programa, além de viabilizar outras promessas feitas por Lula.
A PEC serve para alterar pontos da Constituição Federal. Para ser aprovada, precisa ser votada em dois turnos no Senado e na Câmara e precisa ser aprovada por três quintos dos deputados (308) e dos senadores (49).
Qual o valor da PEC? A proposta inicial calcula que até R$ 198 bilhões devem ficar fora do teto de gastos.
Essa conta inclui as estimativas para o Bolsa Família e para uma verba chamada de “excesso de arrecadação de receitas correntes”. Os valores incluem:
- R$ 105 bilhões já reservados para pagar o Auxílio Brasil em 2023 (correspondem ao valor de R$ 405 por beneficiário);
- R$ 52 bilhões necessários para que o valor do benefício chegue a R$ 600 aos por 21 milhões de beneficiários;
- R$ 18 bilhões para bancar o custo da promessa de dar R$ 150 a mais por criança de até seis anos para as famílias do Auxílio Brasil. O PT estima que haja cerca de 9 milhões de crianças que se encaixam no benefício;
- até R$ 23 bilhões provenientes de eventual arrecadação maior do que o previsto.
Prazo de duração. O texto apresentado propõe tirar o Bolsa Família da conta do teto de gastos por tempo indeterminado, mas isso ainda não está definido. Um grupo de congressistas quer que isso seja limitado a 2023 e o PT negocia para que o prazo seja, ao menos, até 2026, durante o governo Lula.
Apenas o Bolsa Família representa por ano R$ 175 bilhões dos cerca de R$ 200 bilhões acima do limite previsto para as despesas.
Abertura de espaço fiscal. Ao tirar o Bolsa Família do teto de gastos, a PEC permitiria que o dinheiro que já está reservado no Orçamento de 2023 seja usado para outras ações consideradas prioritárias por Lula como bancar o reajuste do salário mínimo acima da inflação, aumentar os repasses para o programa nacional de merenda escolar, recompor a verba do Farmácia Popular e investir em obras do Casa Verde Amarela, que será rebatizado de Minha Casa, Minha Vida.
Ampliação de investimentos públicos. A PEC prevê a possibilidade de ampliar as despesas com investimentos, como obras públicas, quando houver receitas extraordinárias, como imposto e royalties do pré-sal a mais do que estava previsto.
O espaço no orçamento seria aberto por meio de uma rubrica chamada “despesas com investimentos em montante que corresponda ao excesso de arrecadação de receitas correntes” de 2021 e “limitado a 6,5% do excesso de arrecadação”.
Por exemplo: a lei orçamentária previa arrecadar R$ 10 com uma determinada receita, mas ao fim do ano recolhe R$ 15, então o excesso de arrecadação é R$ 5.
A PEC diz que esse excesso não poderia ficar totalmente fora do teto de gastos. Ao limitar a 6,5%, a proposta coloca uma “trava” para controlar o uso da arrecadação extra.
Pelos cálculos da equipe de Lula, esses 6,5% relativo ao excesso de arrecadação de receitas correntes de 2021 equivalem a R$ 23 bilhões.
Educação. A proposta também tira do teto de gastos os valores relativos a “despesas das instituições federais de ensino custeadas por receitas próprias, de doações ou de convênios celebrados com demais entes da federação ou entidades privadas”. A justificativa é estimular a captação por meio de parcerias e doações.
Meio ambiente. O texto da PEC também determina que as doações para “projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas” no âmbito do Poder Executivo e para as instituições federais de ensino também fiquem fora do teto de gastos.
Criado para financiar ações de preservação da floresta, o Fundo Amazônia recebe doações da Noruega e da Alemanha. Esse dinheiro é administrado pelo BNDES, que faz, por exemplo, parcerias com ONGs e elas trabalham com o Ibama. Dessa forma, o dinheiro do fundo não é contabilizado dentro da regra do teto de gastos.
A PEC prevê mudar isso. Pela proposta, o BNDES vai poder financiar projetos do Ibama sem afetar as contas públicas. Assim, o Ibama vai poder decidir com agilidade sobre suas prioridades.
O Fundo Amazônia tem R$ 3,6 bilhões parados na conta, que foi congelada durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). Os países europeus já sinalizaram que pretendem retomar a ajuda financeira ao Brasil.
O mesmo vai valer para outros órgãos federais da área ambiental, como o INPE, que monitora o desmatamento. Eles teriam autonomia para captar doações.
Tramitação. A equipe de Lula entregou aos congressistas uma minuta, ou seja, o rascunho da proposta, que precisa ser apresentada oficialmente por um parlamentar. Depois de protocolada, a proposta pode sofrer alterações.
A negociação é para que a proposta comece a tramitar no Senado, onde o rito é mais simples que o da Câmara. Todos os trâmites precisam terminar ainda neste ano, antes do recesso parlamentar.
A equipe de transição diz que é possível aprovar a PEC até 17 de dezembro, mas a PEC tem sido alvo de grande embate e divergências.
Os pontos de resistência não se restringem ao tamanho da licença para gastar ou ao prazo. São ampliados pelos desejos impressos na minuta da PEC e nas declarações do presidente eleito Lula de que pretende derrubar o teto de gastos, sem deixar claro qual será a âncora fiscal do país e quem irá comandar o Ministério da Fazenda.
O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) garantiu que haverá responsabilidade fiscal no próximo governo e defendeu que o governo Lula inicie o mandato com corte de gastos, e aprovação de reformas.