Nos arredores de Madri, quatro amigas que gravam vídeos curtos resumindo notícias sobre atualidades, acumulam milhares de visualizações no TikTok, onde outros jovens também têm renovado o acesso à informação, se distanciando dos meios tradicionais.
Com menos de três anos, a conta ac2ality soma 4,3 milhões de seguidores, número bem acima da maioria dos grandes veículos de comunicação nesta rede social.
A ideia surgiu quando duas delas se sentiram sobrecarregadas com o excesso de informações complexas que surgiram sobre o Brexit entre 2016 e 2020.
“Lemos muitos artigos, mas não conseguíamos ter um entendimento geral do que estava acontecendo”, explica Gabriela Campbell, de 26 anos, agora formado em Biotecnologia. “Se está difícil para nós, deve haver mais gente como nós”, acrescenta.
Com o objetivo de “traduzir os jornais” em vídeos de um minuto, e sem o intuito de serem consideradas jornalistas, elas decidiram, junto a mais duas amigas, criar o ac2ality em junho de 2020, momento em que a rede social chinesa, famosa por seus vídeos curtos na vertical, rapidamente se tornava popular entre os jovens.
De acordo com um relatório do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, ligado à Universidade de Oxford, o ac2ality já é o principal perfil de notícias em espanhol no TikTok.
Criado em poucos minutos com um smartphone, uma ‘ring light’ e algumas imagens, o vídeo em que narram a invasão russa da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 já conta com mais de 17 milhões de visualizações.
Desconexão
As redes sociais, sobretudo YouTube, Instagram e TikTok, se tornaram as primeiras fontes de informação para os jovens, segundo diferentes estudos, como o da agência reguladora britânica Ofcom, em julho de 2022.
Estes conteúdos criados “por jovens e para jovens” nas redes ganharam grande destaque, mas também mostram que atualmente não é mais necessário haver empresas por trás deste tipo de comunicação, explica à AFP Nic Newman, pesquisador do Instituto Reuters.
Os “algoritmos podem permitir que as pessoas alcancem um grande número de audiência”, graças às suas recomendações, diz ele.
Na França, HugoDécrypte é um dos perfis mais seguidos, tendo entrevistado personalidades como o presidente Emmanuel Macron e Bill Gates.
Seu fundador, o YouTuber Hugo Travers, de 25 anos, afirmou à AFP que sabe “falar a uma geração” – uma parte se “desconectava” quando “acompanhava as notícias nos meios mais tradicionais”.
A popularidade destas contas nas redes, onde “todos os meios de comunicação lutam pela nossa atenção” em um contexto de “infoxificação”, se deve aos seus formatos curtos, didáticos, criativos e com um tom mais leve, observa Susana Pérez Soler, professora de jornalismo digital e pesquisadora da Universidade Ramon Llull de Barcelona.
Soler acrescenta, no entanto, que ac2ality é um “resumo” da atualidade e “não é jornalismo”, pois para isso seria necessário “um trabalho de investigação, contraposição de fontes e verificação da veracidade” das mesmas.
Competência
Os milhões de seguidores destes perfis, por vezes, despertam o interesse da grande mídia, que busca constantemente renovar e ampliar sua audiência.
Embora tenha recebido proposta de um grande grupo espanhol, o ac2ality atualmente prefere permanecer com sua autonomia, pois, segundo sua co-fundadora Daniela Álvarez, uma das chaves de seu sucesso é o fato de não estarem “associados a nenhum meio de comunicação”, por considerá-los “muito politizados” e com uma rígida burocracia interna.
“O que importa aqui não são necessariamente os meios que você tem, o grupo, se você está presente no meio (…), é o que você contribui”, acrescenta Travers.
Mas jornalistas que trabalham na grande mídia não estão ausentes dos palcos das novas redes, como a britânica Sophia Smith Galer, que acumula 130 milhões de visualizações em sua conta do TikTok, onde aborda principalmente sobre temas como saúde sexual.
“Sou minha própria redatora-chefe” e “não preciso convencer um editor de que uma história é importante”, explica a jornalista de 28 anos da Vice News, que acredita que questões “importantes” para os jovens, como as de que trata, são pouco divulgadas na mídia tradicional.
Mas para Nic Newman, também há casos em que jovens entre 15 e 30 anos recorrem aos veículos tradicionais para obterem informações mais completas.
“Quando você tem que falar sobre um assunto como a Ucrânia, muitos jovens não querem ser apresentados por outros de 18 anos, eles querem notícias apresentadas por pessoas que estão realmente na zona de guerra e sabem do que estão falando” conclui.