A diarista Tânia Monteiro, 46, comemorou a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas tão logo soube do resultado final das eleições. Na noite de 30 de outubro, ela publicou em seu status no WhatsApp uma foto do presidente Jair Bolsonaro (PL) com a boca cheia de capim—uma crítica a um vídeo de 2018 em que o mandatário oferece relvas a eleitores petistas.
Cerca de 30 minutos depois, uma cliente respondeu à mensagem dizendo que não precisava mais dos serviços de Tânia. Mais tarde, a irmã dessa freguesa também dispensou os cuidados com sua casa.
A diarista conta que ficou surpresa e até tentou argumentar com as irmãs, mas uma delas já a havia bloqueado no aplicativo. Para a outra, apenas disse que “já tinha entendido” o que havia acabado de acontecer, em referência à discordância política por ter votado no Lula.
Freguesia da classe média dispensou eleitora de Lula. Paraibana de Ouro Velho, Tânia vive em São Mateus, zona leste de São Paulo, e trabalhava na casa delas havia cerca de um ano. As ex-clientes moram na Vila Formosa e Jardim Anália Franco, bairros de classe média da região leste da capital.
“Foi uma falta de respeito com a minha pessoa. O voto é livre e nós temos direito à escolha”, diz Tânia Monteiro, que completa: “Eu tenho um patrão que votou em Bolsonaro e achou ridículo o que elas fizeram comigo.”
O caso foi compartilhado no Twitter por Jefferson, filho da diarista, e causou comoção entre os usuários. A publicação viralizou e tem mais de 7 mil retweets, 69 mil curtidas e 710 comentários até o momento.
Além do apoio virtual, Tânia Monteiro ganhou novos clientes desde então. Ela afirma que a sua agenda de novembro está toda fechada e agora tem que recusar pedidos de faxina. “Eu chorei bastante no início, mas agora estou aliviada”, declara.
Desde que Lula derrotou Bolsonaro nas urnas, inúmeras listas de comércios cujos donos votaram no petista passaram a circular nas redes sociais, como forma de alertar bolsonaristas para um boicote. A hashtag #DemitaUmPetista foi um dos assuntos mais comentados do Twitter.
Exposta nas redes e ameaçada. A maquiadora e designer de sobrancelhas Jéssica Rosa Trevisan, 27, diz que perdeu uma cliente depois de ter seu nome exposto em uma lista de pequenos empresários de Ibitinga, no interior de São Paulo, onde ela vive. Ela votou em Lula.
Jéssica diz que recebeu apenas uma freguesa em três dias desde a divulgação da lista. Antes, seu salão era frequentado diariamente por quatro ou cinco clientes. “Eu tinha uma cliente fixa que eu sei que é bolsonarista, porque já falamos sobre política. Ela disse que não queria mais o horário, perguntei se ela queria remarcar, mas ela disse que não”, desabafa.
Ela diz que recebeu muitos xingamentos após desabafar sobre a lista de boicote nas redes sociais.
“Algumas pessoas desejaram que eu morresse de fome, disseram que tinham pena do meu filho. Teve gente que veio me xingar por mensagem, dizendo que pela minha escolha eu era corrupta”, afirma.
Com medo da repercussão, Jéssica registrou um boletim de ocorrência em que relatou o ocorrido.
Compensando as perdas. Jéssica desabafou no Twitter que havia perdido clientes depois da eleição e estava preocupada por ser mãe solo, responsável por sustentar seu filho de um ano e meio.
Apesar de ter sido xingada por apoiadores de Bolsonaro, ela diz que ganhou quase 2.000 seguidores no Instagram e algumas pessoas —eleitores tanto de Lula quanto de Bolsonaro que discordam do que aconteceu— começaram a marcar horários para compensar as perdas.
Ela conta que agora vai pensar duas vezes antes de falar de política com suas clientes. “Eu fiquei com medo. A maioria das pessoas da minha cidade é a favor do governo Bolsonaro e tudo vira sinônimo de boicote. Preciso me manter mais isenta”.
Cliente deixou de ir depois de mais de 20 anos. A manicure Denise Andare, 61, conta que uma cliente bolsonarista cortou relações depois que elas conversaram rapidamente sobre o presidente Bolsonaro durante um atendimento. Eleitora de Lula, Denise diz que preferiu cortar o assunto para evitar uma discussão mais acalorada.
Ela, que vive em Pouso Alegre (MG), declara que tudo parecia estar resolvido amigavelmente entre as duas, até que a amiga falou por mensagem de texto dois dias depois que queria recolher sua bolsa com esmaltes, acetonas e demais aparelhos.
Denise fazia as unhas dela fielmente há mais de 20 anos. “Nós nunca tivemos nenhuma discussão. De vez em quando a gente conversa sobre política, expúnhamos nossas opiniões, sempre com respeito”, lamenta ela.
Denise diz que a pandemia de covid-19 fez com que ela perdesse muitos clientes, mas que nunca havia deixado de atender alguém por causa de política.
É crime expor eleitores na internet? O sócio da área trabalhista do Veirano Advogados José Carlos Wahle afirma que o fato de pessoas deixarem de consumirem produtos ou serviços por motivação política não se caracteriza como crime.
O advogado diz que empresários que forem prejudicados “efetiva e concretamente” por essas listas podem entrar com uma ação de indenização na Justiça. A dificuldade nesses casos é descobrir quem criou a lista para ser responsabilizado.
Demissões de profissionais: Além do boicote, o movimento bolsonaristas incentiva a demissão de funcionários que tenham votado em Lula. Aqui, a situação pode ser considerada discriminação, se a pessoa conseguir comprovar que foi demitida por sua convicção política.
Wahle diz que mesmo que o empregador não demita ninguém por razões políticas, compartilhar a #DemitaUmPetista e curtir posts a respeito já é interpretado como uma conduta ilegal, porque se caracteriza como ameaça.
Fui demitido por causa de política, e agora? Wahle diz que, caso isso aconteça, é difícil que o empregador deixe claro que a demissão foi por convicção política. Nestes casos é preciso reunir uma série de provas que deixem o motivo implícito.
Se o funcionário não tinha advertências, tinha bons feedbacks dos chefes, a empresa não está em um momento de corte de posições ou até mesmo o funcionário tinha o patrão em redes sociais e ser politicamente ativo, tudo isso pode servir como prova em um processo.
“Não basta supor ou que seja uma coincidência [a demissão pós-eleição]”, afirma o especialista.