O comprometimento da sociedade civil e dos setores privados na COP27 foi maior neste ano, na avaliação de participantes do seminário Mudanças Climáticas – 2ª edição, promovido pela Folha na quinta-feira (1º). O balanço da conferência, no entanto, deixou a desejar, de acordo com os especialistas.
O texto final do encontro da ONU, que aconteceu entre os dias 6 e 18 de novembro, no Egito, estabeleceu a criação de um fundo destinado aos países mais vulneráveis ao aquecimento global para a reparação de perdas e danos climáticos.
No entanto, a reunião avançou pouco na negociação da redução de emissões de combustíveis fósseis.
José Eli da Veiga, economista e professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), vê as conferências como ineficientes no combate à crise do clima. “No terreno ligado à dinâmica das COPs, o balanço é quase zero. É impossível que fosse mais magro.”
Para ele, conclusões como a necessidade de diminuir a emissão de poluentes já estão estabelecidas desde a ECO92, conferência da ONU que aconteceu há 30 anos.
Uma saída, segundo o economista, é reunir os principais responsáveis pelo aumento da poluição para debater medidas de contenção de danos e, com o avanço das discussões, incluir outros atores.
“Estamos em uma emergência postergando ações para contê-la”, diz Luciane Moessa, diretora-executiva da Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), associação que conecta setor financeiro e desenvolvimento sustentável.
Ela afirma que reuniões internacionais como a COP27 mostram a crescente presença do debate ambiental no discurso de grandes empresas, mas no setor financeiro, do qual ela faz parte, as movimentações ainda estão longe do necessário para mitigar o aquecimento global.
Já Marina Grossi, presidente do CEBDS, conselho que articula medidas de sustentabilidade entre empresas, governo e sociedade civil, diz ver resultados positivos na última COP: “O setor privado e a sociedade foram muito atuantes, isso demonstra maturidade com as agendas ambientais”.
Para Rafael Tello, diretor de sustentabilidade da Ambipar, empresa que atua em diferentes setores com gestão ambiental, fóruns como este são necessários para trabalhar soluções de forma conjunta. Empresas, universidades e terceiro setor devem dialogar para cumprir metas e colocar o país como “protagonista político e econômico na agenda”, afirma.
Medidas e acordos para neutralizar a emissão de poluentes têm o objetivo de conter o aumento da temperatura no planeta, que desde a segunda metade do século 19 subiu 1,1ºC, diz o relatório do IPCC, sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
O documento limita o crescimento da temperatura global em 1,5 ºC nos próximos 20 anos para evitar o aumento da frequência de eventos climáticos extremos.
“O problema do Brasil não é o combustível fóssil, como em países da Europa, nosso problema é o desmatamento”, diz Luciane Moesa, da SIS.
De acordo com ela, bancos e fornecedores de crédito, por exemplo, precisam estar atentos aos riscos socioambientais dos negócios, principalmente aqueles ligados à atividade agrícola. A verificação em bases de dados, como satélites do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), indica quais áreas estão embargadas e não podem ser exploradas economicamente.
Moesa explica que a maioria das instituições utiliza bancos de dados desatualizados, o que contribui para o aumento do problema.
O desmatamento na Amazônia ultrapassou os 10 mil km² pelo quarto ano consecutivo, segundo números divulgados pelo Inpe na última quarta-feira (30).
Entre agosto de 2021 e julho de deste ano, 11.568 km² de floresta foram derrubados. O índice é cerca de 11% menor do que o registrado no período anterior, mas continua em patamares elevados.
Para Ignácio Ybáñez, embaixador da União Europeia no Brasil, a presença do presidente eleito Lula (PT) na COP27 demonstra comprometimento da gestão com a pauta climática, o que pode movimentar a negociação de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.
Veja o seminário completo:
O acordo começou a ser discutido em 2019, durante o governo de Michel Temer (MDB) e foi finalizado na gestão de Bolsonaro (PL). O documento não foi assinado devido à preocupação com os números crescentes de desmatamento, diz o embaixador.
O bloco vê a proteção ambiental como ponto importante para negociar parcerias.
Ybáñez também reconhece a urgência da necessidade da transição energética na Europa e cita os impactos da guerra na Ucrânia, que interrompeu parte do abastecimento de gás vindo da Rússia.
O país no leste europeu é um importante fornecedor de gás para membros da UE. Com a queda no abastecimento, países do bloco têm anunciado o aumento da utilização de fontes de energia poluentes como o carvão.
No cenário internacional, José Eli, da USP, chama atenção para falta de comprovação científica robusta sobre o conceito de Net Zero, que significa zerar as emissões líquidas de carbono.
A política considera, além da diminuição da emissão de poluentes, medidas de neutralização, para compensar atividades difíceis de substituir.
Ele afirma ser positivo o impacto do Net Zero em trazer empresas para o debate climático, mas diz que é preciso cuidado com o conceito, porque a ciência ainda não tem comprovação de que medidas de compensação realmente neutralizam o efeito das emissões.
O vídeo do seminário, patrocinado pela Ambipar e mediado por Ana Carolina Amaral, jornalista e autora do blog Ambiência, está disponível em folha.com/seminariosfolha.