Há 20 anos, Xand Avião se encontrava com Solange Almeida no estúdio Mega Som, em Fortaleza, para gravar os vocais do primeiro disco dos Aviões do Forró.
Não tinha ideia de que, nos anos seguintes, com o grupo, do qual era líder, iria fazer 50 shows por mês e sete turnês internacionais, além de lançar 14 CDs e seis DVDs vendidos aos milhares na pirataria.
Embora não tenha aparecido nas listas de melhores do ano, o disco “Volume 1 – As Lamparin’as” abriu as portas para uma série de transformações estéticas e mercadológicas na música brasileira.
O álbum tinha como principal elemento estético a metaleira, como ficou conhecido o trio de metais composto por trombone, saxofone e trompete, além do suingue do baixo e das levadas de bateria.
Numa era em que o streaming não existia, a banda incentivava a pirataria e, sem uma gravadora, os artistas atuavam como empresários, algo revolucionário à época.
O produtor Natinho da Ginga, que esteve à frente dos três primeiros discos dos Aviões do Forró, é um dos responsáveis por moldar a musicalidade do grupo. “Em 1990, quando lancei a Forró Maior, criei uma batidazinha que ninguém usava mais. Aí levei essa ideia para o estúdio com os Aviões e ficou legal.”
Essa batida, que virou a assinatura do grupo, combinava as duas principais vertentes rítmicas do forró eletrônico. Eram elas o romantismo de nomes como Mastruz com Leite e Calcinha Preta e o vanerão à nordestina, com dois passos para a esquerda e dois para a direita, de bandas como Gaviões do Forró.
O baterista Riquelme, que se juntou ao grupo meses depois do primeiro disco, também foi decisivo. Foi ele que criou o “burugudu” de Xand —uma onomatopeia para som da bateria— e ressignificou os tons, a caixa e o chimbal.
Xand considera que o som do grupo encontrou um mercado inexplorado. “A febre era o forró romântico. Noda de Cajú, Magníficos, Calcinha Preta. Era muito bom, mas para namorar e dançar agarrado. A gente preencheu a lacuna do forró animado, para curtir no churrasco, a qualquer hora, e não só para dançar.”
Para chegar aos ouvidos do público, o grupo movimentou um circuito de economia criativa às margens do mercado. O produtor Savyo Maia diz que tinha 40 funcionários para uma frota de duas carretas, dois ônibus e um jato.
Eles distribuíam gratuitamente CDs em bares e festas de cidades estratégicas para o forró e disponibilizavam a gravação das apresentações para download. Os pirateiros queimavam discos e os vendiam ao público, que, sem saber, divulgava não só o repertório atualizado da banda, mas os anúncios que os vocalistas diziam no palco, o que fazia dos shows grandes espaços publicitários.
Este ciclo contava ainda com olheiros que a banda recrutava, com objetivo de caçar músicas que faziam sucesso onde eles se apresentavam para incluir no repertório.
Assim, os Aviões do Forró consolidaram um modelo de negócio incomum. Fazer dois shows no mesmo dia em cidades diferentes, por exemplo, era sinônimo de dor de cabeça antes de o grupo profissionalizar a logística das “dobradas”, como a prática é conhecida nos bastidores da música.
As inovações garantiram uma carreira meteórica e duradoura ao grupo, mas seus integrantes se separaram em 2018. Desde então, Xand e Solange só dividiram o palco uma vez, na Farofa da Gkay.
O reencontro viralizou, e os fãs especularam que haveria uma reaproximação dos vocalistas, que brigaram na Justiça após o fim da banda. Isso, no entanto, parece improvável.
Xand, que herdou os direitos da marca, segue em carreira solo e ocupa o topo das paradas musicais. Já Solange, mais afastada da indústria da música, afirmou à reportagem que quer desvincular sua imagem do grupo, motivo pelo qual não quis dar entrevista.
É um movimento oposto aos reencontros que encheram os palcos de nostalgia nos últimos anos, do pop, com Sandy & Junior e Rouge, ao sertanejo, com os Amigos, grupo formado por Chitãozinho & Xororó, Leonardo e Zezé Di Camargo & Luciano.
Fica, no entanto, o legado de um grupo que não só se mantém presente na memória afetiva e nos ouvidos de boa parte dos brasileiros —seja com suas canções, seja com sua musicalidade, que moldou gerações de cantores de forró—, mas também influenciou, com uma estratégia de produção inovadora, os principais astros da música contemporânea do país.