O ataque golpista contra prédios do governo brasileiro vinha sendo orquestrado há pelo menos duas semanas semanas através do WhatsApp, Telegram e redes sociais. Além da invasão, ordem para os manifestantes “tomarem as ruas”, fazendo bloqueios em postos de gasolina, refinarias e outras infraestruturas também foi dada pela internet, de acordo com pesquisadores brasileiros de mídia social.
Uma frase específica foi divulgada para convocar o que chamaram de “Festa da Selma”. A palavra “Selva” (termo militar para grito de guerra) foi trocada para “Selma” de modo a disfarçar a mobilização. Autoridades brasileiras têm respaldo para prender pessoas por postagens consideradas antidemocráticas.
O termo e conteúdos relacionados forma visto circulando no Twitter, Tiktok, Facebook e Instagram nos últimos dias.
O Telegram
O Telegram foi usado para postagens com datas, horários e rotas para as caravanas golpistas, que pegariam pessoas em pelo menos seis estados brasileiros e as transportariam para Brasília, de acordo com o jornal The Washington Post, que teve acesso a algumas postagens.
Um post dizia: “Atenção, patriotas! Estamos nos organizando para mil ônibus. Precisamos de 2 milhões de pessoas em Brasília”, afirmou o jornal.
A agência de notícias Reuters divulgou um outro formato dessa convocatória: “Pessoas que tenham disponibilidade para ir a Brasília de ônibus, sairá no domingo e volta na quinta-feira. Tudo pago. Água, café, almoço, Janta… Lá ficará acampado no Planalto. Por favor nos ajudem a divulgar e conseguir patriotas.”
O WhatsApp
Um levantamento realizado pela Palver, que monitora mais de 17 mil grupos públicos no WhatsApp que debatem política nacional, mostra que o serviço de mensagem estava sendo usado pelo menos desde o dia 5 de janeiro para mensagens de mobilização de atos em Brasília e a tomada das ruas.
“Trazer equipamento como capacetes, luvas, coletes, máscara de gás e óculos de natação contra efeito de gases”, dizia uma das mensagens no WhatsApp, segundo reportagem da Agência Lupa.
A expressão “Festa da Selma” começou a ser divulgada bem antes, no dia 27 de dezembro. Seu pico foi em 2 de janeiro, de acordo com a mesma matéria.
Desinformação nas redes
Muito antes da vitória de Lula nas eleições, a onda de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas já circulava nas redes sociais e ficaram entre os temas mais pesquisados pelos brasileiros.
No TikTok, os pesquisadores descobriram que cinco dos oito principais resultados de pesquisa para a palavra-chave “cédulas” eram para termos como “cédulas manipuladas” e “cédulas sendo manipuladas”, destacou a reportagem do The Washington Post.
Ao mesmo tempo, o Facebook e o Instagram direcionaram milhares de usuários que inseriram termos básicos de pesquisa sobre a eleição a grupos que questionavam a integridade do voto.
Nos dias seguintes às eleições, os apoiadores de Bolsonaro que rejeitaram os resultados bloquearam as principais rodovias do país. Esses bloqueios se transformaram em manifestações em dezenas de cidades, onde apoiadores passaram a acampar em frente a bases militares por semanas.
Os riscos do uso das redes no Brasil
“Há anos, nosso país passa por um processo muito forte de radicalização das pessoas para visões extremistas – principalmente online. Mas nas últimas duas semanas, tenho visto cada vez mais ligações de pessoas incentivando o extremismo e pedindo ação direta para desmantelar a infraestrutura pública. Basicamente, as pessoas estão dizendo que precisamos parar o país e gerar o caos”, afirmou a pesquisadora Michele Prado, que estuda os movimentos digitais e a extrema direita brasileira, ao Washington Post.
Postagens exigindo um golpe, juntamente com hashtags pró-Bolsonaro alegando “fraude eleitoral” e “eleição roubada” circularam em todas as plataformas de mídia social populares no Brasil. Sendo a organização mais direta, no serviço de mensagens Telegram.
Pesquisadores brasileiros disseram que o Twitter, em particular, é um lugar a ser observado porque é muito usado por um círculo de influenciadores de direita – aliados de Bolsonaro que continuam a promover narrativas de fraude eleitoral.
Ameaças agravaram após a eleição
Os pesquisadores brasileiros já haviam alertado sobre o risco de uma tentativa de golpe semelhante à invasão ao Capitólio dos Estados Unidos, no dia 6 de janeiro de 2021.
Nos meses e semanas que antecederam a eleição presidencial brasileira, canais de mídia social foram inundados com desinformação, juntamente com apelos por um golpe militar caso Bolsonaro perdesse o pleito.
Viktor Chagas, professor da Universidade Federal Fluminense no Rio de Janeiro, que pesquisa movimentos de extrema-direita online, afirmou ao Washington Post que a invasão de ontem foi “uma tentativa clara de igualar a invasão do Capitólio, como uma reprodução dos movimentos Trumpistas e um sinal simbólico de força e conexões transnacionais da extrema-direita global”.
Aliados de Donald Trump, como o ativista Ali Alexander, que ganhou destaque após a eleição de 2020 como um dos líderes do movimento de apoio ao ex-presidente dos EUA, incentivaram os brasileiros a invadirem o Congresso.
“Façam o que for necessário!”, escreveu Alexander:
Para inflar mais ainda o problema, foi detectada no domingo a circulação de uma contranarrativa que culpava o governo Lula e pessoas do partido do presidente por se infiltrarem em manifestações pacíficas e democráticas para colocar o país contra os apoiadores de Bolsonaro — o que não foi provado até o momento.
O que dizem as plataformas
A reportagem de Tilt tentou contato com todas as redes sociais citadas na reportagem, porém até o momento não obteve retorno.
Caso alguma rede social se manifeste, a reportagem será atualizada.