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Como Drácula, que faz 30 anos, misturou sangue e sexo – 22/12/2022 – Ilustrada

Como Drácula, que faz 30 anos, misturou sangue e sexo – 22/12/2022 – Ilustrada

A Aids ainda era uma sentença de morte quando Francis Ford Coppola levou aos cinemas a sua versão para a história de um certo conde da Transilvânia sedento por pescoços. Para o público de 30 anos atrás, era impossível não ver as sombras daquela epidemia nas muitas cenas de jorros de sangue e de vampiros que infectavam suas vítimas com uma mordida erótica.

Drácula de Bram Stoker” estreou no Brasil na penúltima semana de 1992. Sua acolhida pela crítica não foi exatamente uma unanimidade, até porque tudo naquele filme —da maquiagem às interpretações— é a definição do over. Ou “operístico”, segundo os mais generosos. Estava, de toda forma, em sintonia com o clima gótico que se espalhava por ruas e passarelas.

As três décadas que se seguiram dariam ao longa uma aura cult, embora esse não tenha sido o panorama que Coppola tinha diante de si quando lançou o filme. Os anos 1980 já haviam legado ao cineasta um saldo um tanto agridoce, e no começo da década seguinte, ele ainda teve de engolir ataques furiosos contra o seu “O Poderoso Chefão – Parte 3”, encerramento indigno para uma trilogia de resto brilhante. Não era como se ele estivesse em alta.

As anedotas hollywoodianas contam que foi a atriz Winona Ryder, então em início de carreira, quem fez chegar às mãos do diretor o roteiro de uma adaptação do clássico epistolar escrito pelo irlandês Bram Stoker, mas carregada com uma levada sexy —uma trama que parecia um “pesadelo sensual”, como ela própria descreveria depois.

No prólogo da história acompanhamos um príncipe romeno, famoso por empalar os inimigos, inconformado com o suicídio da mulher amada. Renunciando a fé cristã, ele vaga pelos séculos como um morto-vivo até topar com um advogado londrino e nutrir uma obsessão pela noiva dele.

Coube a Coppola tirar a poeira desse mito surrado, que nas telas tinha ficado marcado pelas caretas de Bela Lugosi e Christopher Lee, e dar a ele um verniz de cinema autoral. Não haveria, portanto, espaço para capas de gola empinada e caninos risíveis.

De partida, o realizador de “Apocalypse Now” recrutou um elenco chamativo. Além de Ryder, haveria o premiado Gary Oldman para o personagem-título, o então galã teen Keanu Reeves forçando um sotaque britânico na pele do mocinho Jonathan, e Anthony Hopkins, recém oscarizado por “O Silêncio dos Inocentes“, se divertindo como o caçador de vampiros Van Helsing. De quebra, uma ponta do trovador roqueiro Tom Waits no papel do lunático Renfield.

Coppola logo notou que a publicação do romance de Stoker coincidia com a invenção do próprio cinematógrafo, na última década do século 19. Por isso, dispensou efeitos de computação gráfica, em franca ascensão em Hollywood, para se munir apenas de trucagens que eram feitas nos primórdios do cinema. Duplicou a exposição em algumas tomadas, mexeu na velocidade dos quadros, para imitar o mesmo ritmo daqueles primeiros filmes mudos, e fez uso de todo tipo de engenhocas mecânicas, como miniaturas e espelhos distorcidos. Afinal, diretores pioneiros como Méliès eram, antes de tudo, ilusionistas.

O figurino era propositalmente espalhafatoso, com longas capas de um vermelho almodovariano que deslizam por entre escadarias, e robes dourados afanados das telas de Gustav Klimt. Ao polonês Wojciech Kilar coube a trilha sonora marcada pelo som de um violoncelo que tem o peso de uma horda magiar. Gary Oldman deu a sua contribuição passando semanas dormindo num caixão.

Se a engenharia do pesadelo estava estabelecida, faltava ainda acrescentar o outro elemento central do roteiro, o erotismo. E o “Drácula” de Coppola é tremendamente erótico, a ponto de beirar o infame mesmo. Um close na virilha de Reeves sugere uma ereção quando o seu personagem é lambido e apalpado por três vampiras. Noutra cena, ainda mais escancarada, o personagem-título, transmutado num lobisomem, copula no jardim com uma moça sonâmbula, numa desabrida ode ao bestialismo.

Sexo é sempre perigoso nessa história, que não por acaso faz uma citação à sífilis num dado momento e a todo tempo parece julgar as atitudes de Lucy, a personagem mais safada da trama. E quando Drácula enfim tem Mina, a mulher que tanto persegue, em seus braços e se vê em vias de transformá-la numa morta-viva ao oferecer que ela beba o seu sangue, acaba desistindo. “Te amo demais para te condenar”, diz, naquela que é a referência mais escancarada à Aids que grassava o mundo em 1992.

Sutileza não é mesmo o forte dessa ópera barroca criada por Coppola. Revista 30 anos depois, agora reabilitada, ela ainda pode despertar risadas involuntárias. Mas seu apuro estético e o seu o esmero artesanal são mais do que um bálsamo em tempos de produções da Marvel carregadas de efeitos de uma computação gráfica que só comove adultos regredidos.

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