Desde que a rede social introduziu o novo sistema que permite pagamento pelo selo de verificação, foram criadas inúmeras contas falsas, de pessoas se passando por outras, e usando o selo azul.
“Temos o prazer de anunciar que a insulina agora é gratuita.”
Considerando que a farmacêutica Eli Lilly vende um frasco de insulina por US$ 275 (R$ 1.458), é compreensível que o anúncio feito no Twitter na sexta-feira (11/11) tenha tido grande repercussão na rede social e além dela.
Só havia um problema: a conta que fez o anúncio, embora tivesse o selo azul que até agora certificava que a identidade daquele usuário havia sido verificada pelo Twitter, era falsa.
Alguém havia criado a conta e, usando as novas regras introduzidas no Twitter por Elon Musk, pagou os US$ 7,99 para adicionar o selo à sua conta e se passar pela empresa farmacêutica americana.
O post acumulou quase 11 mil curtidas antes de ser suspenso.
A brincadeira custou milhões de dólares à Eli Lilly, já que suas ações caíram 4,3% no dia seguinte. O dano à reputação é mais difícil de calcular, mas talvez tenha sido ainda maior.
A Eli Lilly, desta vez de sua conta real, teve que desmentir a informação, causando uma onda de críticas entre usuários e comentaristas sobre o preço que a empresa cobra por um remédio que é vital para diabéticos.
“Pedimos desculpas àqueles que receberam uma mensagem enganosa de uma conta falsa da Lilly”, twittou a empresa, indicando a conta oficial.
Quase 7 milhões de pessoas têm diabetes nos EUA, o país com os preços mais altos do mundo para esse medicamento, que pode custar cerca de US$ 1 mil por mês para quem não tem seguro de saúde. No Brasil, é possível obter a insulina pelo SUS.
Um dos que reagiram negativamente à empresa foi o senador democrata Bernie Sanders, favorável a um serviço de saúde mais acessível nos EUA.
“Vamos ser claros. Eli Lilly deveria se desculpar por ter aumentado o preço da insulina em mais de 1200% desde 1996”, escreveu.
“[Ela cobra] US$ 275, enquanto [a insulina] custa menos de US$ 10 para produzir. Os inventores da insulina venderam suas patentes em 1923 por US$ 1 para salvar vidas, não para tornar o CEO da Eli Lilly obscenamente rico.”
Outros casos
A Eli Lilly é apenas uma das dezenas de vítimas de contas falsas que proliferaram no Twitter desde que seu novo dono decidiu mudar as regras de verificação, causando caos e confusão dentro da rede social.
Entre os afetados estão empresas como Apple, Nintendo e BP, além de políticos, celebridades e outras organizações.
O Twitter suspendeu muitas das contas falsas, mas as constantes mudanças da empresa para resolver o problema aumentaram a confusão.
Elon Musk finalizou sua compra do Twitter por US$ 44 bilhões em outubro passado, após meses de negociações.
O bilionário alegou que a rede social tinha muito mais “bots”, ou seja, contas automatizadas falsas, do que seus antigos donos haviam reconhecido. Um de seus objetivos seria, segundo ele, acabar com essas contas falsas.
No entanto, desde que assumiu o controle da empresa, ele não apenas demitiu cerca de metade da equipe do Twitter, cerca de 7.500 funcionários, como também lançou um mecanismo para vender o selo azul de perfil verificado.
Até agora, quem quisesse o selo azul ao lado do nome tinha que provar sua identidade para a empresa. No entanto, com o lançamento do “Twitter Blue”, um novo serviço de assinatura premium, disponível apenas para dispositivos Apple nos EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Reino Unido, os usuários que quiserem podem pagar pelo selo.
Para fazer isso, eles só precisavam fornecer um ID Apple e um número de telefone.
Inúmeros especialistas alertaram para o perigos do Twitter Blue acabar se tornando um paraíso para golpistas, algo que, pelo menos em seus primeiros dias, parece ter se tornado realidade.
A abrangência do problema começou a ficar clara na mesma quarta-feira em que a ferramenta foi lançada.
O Twitter teve que suspender dezenas de contas falsas, incluindo algumas se passando pelo CEO da Meta, Mark Zuckerberg, pelo presidente Joe Biden, pelo seu antecessor Donald Trump, ou pelo o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.
Em um caso, uma conta falsa em nome da candidata republicana do Arizona Kari Lake concedeu a vitória ao seu oponente democrata, quando na verdade a contagem dos votos ainda não havia sido finalizada. O Twitter levou horas para remover a conta.
Outra conta falsa criada com o selo azul foi uma da Tesla, que também pertence ao dono do Twitter. Alguém se fez passar pelo próprio Elon Musk para fazer postagens sobre os ataques de 11 de setembro de 2001.
Refúgio de conspiracionistas
O sistema “Twitter Blue” também está sendo explorado por conspiracionistas e ativistas de extrema-direita.
A equipe de monitoramento da BBC detectou pelo menos três contas de influenciadores do movimento chamado QAnon que compraram marcas azuis no Twitter.
Os ativistas de extrema-direita Jason Kessler e Richard Spencer, que organizaram o comício “Unite the Right” de 2017 em Charlottesville (no qual uma pessoa foi morta e 35 ficaram feridas), compraram selos azuis.
O Twitter tinha removido os selos de verificação das contas de Kessler e Spencer após a manifestação violenta há cinco anos.
Os pesquisadores também detectaram diversas contas com selos azuis comprados usando imagens de pessoas falsas geradas por inteligência artificial.
Isso é particularmente preocupante pois esses tipos de contas, comumente chamadas de “bots”, são frequentemente usadas por redes de desinformação com o objetivo de influenciar acontecimentos políticos.
O Twitter suspendeu muitas dessas contas falsas, mas tem tido dificuldade em acompanhar as novas contas falsas “verificadas” que aparecem.
Como solução alternativa, novos selos cinza “oficiais” começaram a ser adicionados em algumas contas de alto perfil, como de governos e veículos de imprensa, mas Musk descartou o novo selo quase imediatamente.
Ainda não está claro como o Twitter planeja resolver o problema das contas falsas com o selo azul no longo prazo.
Vários especialistas levantaram preocupações sobre os danos que a falta de confiança no sistema de verificação do Twitter pode causar durante eventos como tiroteios em massa, ataques terroristas ou desastres naturais, quando autoridades locais, polícia, serviços de emergência e jornalistas costumam divulgar informações e conselhos importantes.
A BBC entrou em contato com o Twitter, mas não recebeu resposta.
Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63627829