A Copa do Mundo do Qatar começa no domingo (20) e promete ser uma das edições mais tecnológicas. Do primeiro mundial de futebol realizado em 1930 até ao deste ano, no Oriente Médio, cada edição contribuiu para além das quatro linhas, estimulando a melhorias de diversas tecnologias, principalmente nos meios de levar o evento até nossa casa.
“A tecnologia das transmissões não chegaria e não avançaria sem as Copas. É um torneio que abrange todas as culturas. Não é só um acontecimento esportivo, mas também de mídia”, afirma Tatiana Zuardi, mestre em Comunicação pela Unesp (Universidade Estadual Paulista). Ela analisou a narrativa das transmissões das Copas do Mundo.
E, com tanta gente ao redor do planeta prestando atenção, a tecnologia também ajudou a evitar erros, com inovações como sensor na bola e VAR (Árbitro Assistente de Vídeo, em português) aprimorado.
Confira 12 exemplos de como a Copa nos trouxe uma telecomunicação mais avançada e conectada.
1938: o futebol antes da TV
As duas primeiras Copas do Mundo aconteceram no Uruguai e na Itália, respectivamente, mas os brasileiros puderam acompanhar o esporte somente através dos jornais impressos. Foi em 1938, com o mundial realizado na França, que finalmente as partidas tiveram transmissões pela primeira vez a partir do exterior, graças ao rádio.
A transmissão aconteceu pela Cadeia de Emissoras Buyngton, que reunia as rádios Clube do Brasil, Cosmos, Cruzeiro do Sul de São Paulo e do Rio de Janeiro e Rádio Clube de Santos, segundo artigo da pesquisadora Rose Esquenazi, da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) . “A Rádio Record também tirou umas lasquinhas dessas transmissões no Brasil”, completa o texto.
No caso das transmissões da Copa de 1938, se utilizou a tecnologia radiofônica de ondas curtas, que são estações entre 3.000 kHz (Kilohertz) e 30.000 kHz. Essas frequências são usadas para cobrir regiões extensas ou estabelecer comunicação entre pontos a milhares de quilômetros de distância a partir de uma única antena emissora.
1954: a primeira transmissão televisiva
Só 16 anos depois os torcedores longe dos estádios puderam ver os momentos mais emocionantes ao vivo. Ainda assim, apenas 10 jogos foram exibidos, e para um público selecionado: nove países europeus, servidos pela retransmissora Eurovision.
“Neste momento, na Europa, a população já possuía um número significativo de receptores. Na Inglaterra, por exemplo, havia em torno de 3 milhões aparelhos de TV”, diz Zuardi.
Antes disso, o espetáculo tinha que ser visto… no cinema. “Até 1954, as imagens das Copas eram capturadas, armazenadas, distribuídas em película e exibidas como filmes”, explica.
1958: para toda Europa
Na primeira Copa finalmente transmitida ao vivo a todos os europeus, uma zebra. Quem levantou o caneco na Suécia foi o Brasil – nossa primeira vitória.
Aqui em terras brasileiras (bem como em outros países não-europeus), restou ver o triunfo da Seleção ainda por meio de películas. Mas pelo menos não era necessário ir aos cinemas: os “videoteipes” iam ao ar pela TV Tupi. Mas a maioria eram compactos dos jogos, apresentados muitos dias depois.
1966: a primeira com transmissão via satélite
Para Zuardi, foi o Mundial na Inglaterra que deu o maior salto tecnológico. As partidas ainda não chegaram ao mundo todo, mas já se expandiram para 20 países da Europa, graças à transmissão via satélite. A BBC e a ITV se juntaram em uma parceria para passar os jogos ao vivo.
Além disso, estrearão dois recursos que fazem parte do futebol televisivo até hoje: a câmera lenta e o replay.
“Imagine tudo isso em uma transmissão com 3 caminhões no lado de fora do estádio e sem câmeras suficientes”, comenta Tatiana.
1970: o mundo todo assiste – e a cores
Foi outro “divisor de águas”, em parte favorecido pela localização do país-sede. Do México, foi possível transmitir para a América, Europa e parte da Ásia e África.
Os satélites utilizados foram o Telstar, lançados em 1962, pela Nasa em parceria com a empresa de telecomunicações AT&T. A geradora das imagens era a Telesistema Mexicano que, assegurou os direitos exclusivos da transmissão.
Foi tudo ao vivo e, mais importante ainda, a cores. O mundo pode ver o amarelo brilhante da Seleção Canarinho conforme ela levantava sua terceira taça.
De acordo com Zuardi, as imagens tinham 525 linhas de resolução em 30 quadros por segundo com uma frequência de 60 hertz. A proporção ainda era a antiga 4:3, mais “quadrada”, em contraste com nosso atual formato widescreen.
Tudo isso era ótimo, mas no Brasil ainda prevalecia a TV preto e branco. O jeito foi a Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações) transmitir, em caráter experimental, também em locais públicos, como cinemas.
Para isso, foi utilizado o satélite Inter-Sat III F-6, da Intelsat, na altura do arquipélago de Fernando de Noronha, em Pernambuco, que enviava as imagens para torres de antenas das TVs.
1998: o início do sinal digital
Com a consolidação das transmissões em cores pelo mundo, a Copa de 1998, na França, buscou alcançar maior qualidade de som e imagem. A transmissão digital tornou obsoleto o sistema analógico.
“Naquele ano, a Europa, os Estados Unidos e o Japão já haviam definido o padrão dos seus sistemas de televisão digital e começado a implantação”, explica Zuardi.
Mas como o resto do mundo ainda não havia “se digitalizado”, foi preciso criar um sistema integrado. “Ele digitalizava a imagem analógica que chegava das câmeras, permitindo que o sinal digital fosse ‘filtrado’ e eletronicamente tratado nas mesas de controle, de modo que fantasmas, chuviscos e demais interferências inerentes à transmissão fossem eliminados”, conta a pesquisadora. “Posteriormente, o sinal resultante era convertido novamente em níveis analógicos e distribuído para o mundo.”
2006 e 2010: Do HDTV ao Full-HD
Quando sinal digital já estava consolidado em boa parte dos países, a Fifa deu mais um passo: implementou o HDTV e Full-HD em suas transmissões pela HBS, empresa contratada pela captação e distribuição das imagens.
O HDTV (sigla em inglês para “televisão de alta definição”) veio 2006, na Alemanha, que distribuiu 20 câmeras nos estádios. Mas, na época, apenas Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos e Canadá conseguiram ransmitir a programação nesse nível.
Já o Full-HD (“alta definição total”, em português) debutou no torneio seguinte, na África do Sul, com 30 câmeras por partida.
A principal diferença entre os dois tipos está basicamente na resolução. Os aparelhos com tecnologia HDTV podem chegar a uma resolução de 720 linhas progressivas (1280 x 720). Já o Full-HD alcança resoluções maiores: 1080 linhas entrelaçadas (1920×1080). Essas linhas entendem-se como pixels, que são aqueles pontinhos que formam a imagem na televisão. Quanto mais pixels, melhor a definição.
2014: 4K, sensor na bola e exoesqueleto
O Brasil-sede brilhou com duas novidades que vieram para ficar e uma em caráter experimental.
O 4K é a evolução do Full-HD, com quatro vezes mais pixels na tela. Enquanto o Full-HD tinha 1920 x 1.080 pixels na Copa de 2010, Fuleco e as seleções de 32 países Brasil deslumbravam com 3.840 x 2.160 pixels.
- GLT (Tecnologia da Linha de Gol)
Após três anos de testes, a Fifa aprovou o uso desse equipamento, que utilizava câmeras mais potentes do que o próprio olho humano para definir lances da bola em cima da linha do gol. Elas eram capazes de registrar até 500 imagens por segundo – nossa visão, apenas 16.
Eram 7 câmeras em cada gol, posicionadas de modo a aferir em 3D se a bola havia ultrapassado ou não a demarcação. Se ela cruzasse além de 50 milímetros, um sensor interno enviava um sinal vibratório para o smartwatch do árbitro. O aviso acontecia em menos de um segundo.
As câmeras não tinham conexão via internet e o relógio era criptografado, impossibilitando qualquer tipo de manipulação ou ataque hacker.
A seleção brasileira enfrentou a Croácia no jogo de abertura, mas antes da bola rolar, quem deu o pontapé para o evento foi Juliano Pinto, à época com 29 anos. Paraplégico, ele usava um exoesqueleto (uma estrutura metálica que dá sustentação ao corpo e reage a comandos do cérebro, como andar e chutar)
O equipamento havia sido criado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. Era a primeira exibição pública do estudo, iniciado em 2001.
A interação entre cérebro e máquina era feita por meio de uma touca com eletrodos que captavam os sinais elétricos de maneira não invasiva. O equipamento interpretava esses sinais e fazia os condutores se movimentarem, como se a pessoa paraplégica realmente estivesse mexendo por conta própria os membros prejudicados.
2018: começa o reinado do VAR
O VAR (sigla em inglês para “árbitro assistente de vídeo”) foi a grande novidade da Copa na Rússia. A tecnologia já era testada em torneios pelo mundo, mas foi no Mundial que ele se consolidou e se espalhou para outros países. No ano seguinte, já estava no Campeonato Brasileiro.
Em 2018, ele era operado por 33 câmeras, sendo oito super lentas e quatro ultra lentas. Os árbitros de vídeo tiveram acesso às imagens transmitidas pela emissora oficial da Fifa, além de quatro câmeras que não apareciam na transmissão para o telespectador em casa.
Cada estádio possuía uma sala de operação de vídeo que recebia imagens geradas pelo centro de transmissão de Moscou. Os frames eram encaminhadas por meio de uma rede de fibra ótica, também usada pelos árbitros para se comunicarem com os assistentes de vídeos na sala do VAR, por um sistema de rádio.
E 2022?
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