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Cientistas projetaram ‘vagina em chip’ para pesquisa – 12/12/2022 – Equilíbrio e Saúde

Cientistas projetaram ‘vagina em chip’ para pesquisa – 12/12/2022 – Equilíbrio e Saúde

O doutor Don Ingber faz órgãos para ganhar a vida. Usando pedaços flexíveis de silicone gravados com pequenos canais, ele cultiva tecidos que podem imitar as complexas interações físicas entre células e fluidos, criando modelos de órgãos tridimensionais e maleáveis.

Na última década, Ingber, um bioengenheiro da Universidade de Harvard, fez mais de 15 desses chips de órgãos, que simulam pulmões, fígados, intestinos e pele. Agora, conforme descrito num artigo publicado no mês passado, ele acrescentou à lista um órgão bem menos estudado: a vagina.

A “vagina em chip” foi feita a partir de células vaginais doadas por duas mulheres. O modelo foi cultivado dentro de lascas de borracha de silicone do tamanho de um chiclete, formando canais que respondiam aos níveis variáveis de estrogênio e bactérias.

Segundo o estudo, o chip imitou com sucesso as principais características do microbioma vaginal —as comunidades de bactérias que desempenham um papel crucial na saúde do órgão.

O chip é mais realista do que outros modelos de laboratório do órgão: “Ele anda, fala, grasna [sic] como uma vagina humana”, disse Ingber.

Ele e outros pesquisadores acreditam que a ferramenta poderá oferecer uma maneira melhor de testar tratamentos para vaginose bacteriana, uma infecção de micróbios nocivos que afeta cerca de 30% das mulheres por ano.

“Este sistema é um grande avanço”, disse a doutora Ahinoam Lev-Sagie, ginecologista do Centro Médico Hadassah em Jerusalém, que estuda o microbioma vaginal e não participou do novo estudo. Por questões de segurança, é difícil para pesquisadores testarem novos tratamentos para pacientes com infecções recorrentes, disse ela.

Não é difícil encontrar mulheres dispostas a doar amostras vaginais, explicou. “Mas quando você quer explorar quais medicamentos podem funcionar, é muito difícil encontrar quem se disponha a participar dos estudos.”

O estudo, que foi financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates, usou o chip para imitar como uma vagina real responde a ambientes bacterianos bons e ruins.

Os pesquisadores mostraram que o tecido no interior do chip reagiu positivamente a um coquetel de lactobacilos, um tipo de bactéria que digere açúcares e produz ácido lático, criando um ambiente ácido dentro da vagina humana que a protege de infecções.

Quando um outro tipo de bactéria que é associada a infecções vaginais foi cultivada no chip sem a presença de lactobacilos, a inflamação aumentou e as células foram rapidamente danificadas.

Essa reação é semelhante ao que acontece quando uma mulher contrai vaginose bacteriana, condição na qual bactérias nocivas assumem o controle do microbioma vaginal, diminuindo sua acidez e, às vezes, causando coceira e aumento da secreção.

A vaginose bacteriana é normalmente tratada com antibióticos, mas as taxas de recaída são altas. Quando não tratada, a vaginose bacteriana aumenta o risco de infecções sexualmente transmissíveis e câncer cervical. Em mulheres grávidas, pode aumentar o risco de parto prematuro ou baixo peso do bebê.

Apesar desses riscos, a vaginose bacteriana –e a própria vagina– permanece pouco estudada.

“Nós realmente não entendemos como esses processos são desencadeados por bactérias na vagina ou mesmo quais bactérias são responsáveis”, disse Amanda Lewis, professora da Universidade da Califórnia em San Diego que estuda o microbioma vaginal. “Como você pode imaginar, uma compreensão tão grosseira de um sistema fisiológico tão importante resulta em intervenções grosseiras ou nenhuma.”

Em 2019, Lev-Sagie e outros pesquisadores em Israel publicaram os resultados dos primeiros transplantes de microbioma vaginal do mundo. Eles transferiram corrimento rico em bactérias de doadoras com vaginas saudáveis para cinco mulheres que sofriam de vaginose bacteriana recorrente. A triagem das amostras para garantir que eram seguras e encontrar pacientes dispostas a participar foi extremamente difícil e levou muitos anos.

Outros modelos, em animais ou em laboratório, não são ambientes eficazes para testar o microbioma vaginal. Enquanto as vaginas humanas saudáveis são compostas por cerca de 70% de lactobacilos, em outros mamíferos os lactobacilos raramente constituem mais de 1% do microbioma vaginal. E, quando as células vaginais são misturadas com bactérias em uma placa de petri plana, as bactérias rapidamente assumem o controle e matam as células.

Desvantagens semelhantes dificultam o desenvolvimento de muitos medicamentos, e é por isso que os chips de órgãos são tão promissores, disse Ingber, que detém a patente do chip de silicone e fundou uma empresa que os fabrica e testa.

“Tem havido uma busca por melhores modelos in vitro que realmente imitem a complexidade fisiológica, a complexidade estrutural dos tecidos”, disse ele. “Foi o que fizemos com os chips de órgãos.”

Em outro artigo publicado esta semana, o grupo de Ingber mostrou que um chip de órgão do fígado era sete a oito vezes melhor que modelos animais para prever reações humanas a 27 drogas.

Mas o “chip da vagina” tem limitações, disseram os cientistas.

Lev-Sagie, do Hadassah Medical Center em Jerusalém, observou que o microbioma vaginal se altera substancialmente em reação à menstruação, relações sexuais, flutuações hormonais e uso de antibióticos. E outros tipos importantes de células da vagina, como as células imunes, não foram incluídos no estudo.

“A vida real é muito mais complexa do que a vagina em chip”, disse Lev-Sagie.

Ter um modelo mais sofisticado exigirá mais estudos sobre como exatamente o microbioma vaginal funciona e como ele responde às doenças, acrescentou ela.

Ao contrário da pesquisa sobre o microbioma intestinal, que progrediu rapidamente na última década, o trabalho sobre o microbioma vaginal sofre com a falta de financiamento.

“Sabíamos há mais de cem anos que as bactérias da vagina são cruciais”, disse Lev-Sagie. “Pesquisamos há muitos anos, mas ainda estamos atrasados.”

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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