Atentados, como o que ocorreu, nesta sexta (25), contra duas escolas públicas, em Aracruz (ES), matando três pessoas, não são inéditos no Brasil. Mas eles tendem a aumentar após o governo Jair Bolsonaro incensar a violência como solução dos problemas e facilitar o acesso às armas.
Ao final de quatro anos de seu mandato, seremos mais parecidos com os Estados Unidos. Não no que diz respeito à renda per capita ou ao desenvolvimento tecnológico, mas porque esse tipo de atentado contra escolas por lá, perpetrado por jovens com problemas psicológicos, se tornou parte triste do cotidiano pela facilidade de aquisição de armamentos.
Com roupa camuflada, rosto coberto por máscara, colete à prova de balas e pistola semiautomática, um jovem de 16 anos matou duas professoras e um aluno do 6º ano. Ele seria filho de um policial militar e teria usado a arma do pai. Após fugir, foi preso.
Independentemente da motivação, o atentado acontece em meio a um crescente culto às armas de fogo e à violência como forma de resolução de conflitos no país e após os decretos editados por Jair Bolsonaro terem facilitado o porte e a compra de armas e munições.
Violência que leva não apenas ao uso da força bruta para a resolução de tensões e traumas, mas também à eliminação do outro. Seja qual for a razão da fantasia de vingança desse jovem, contra a sociedade, as instituições, a escola, as mulheres ou algo mais que também não faça sentido, a atual cultura de violência ajuda semear esse tipo de tragédia.
Atentados como esse não começaram no atual governo federal, mas termos um pregador da morte como presidente, cuja marca registrada é simular armas com as mãos, não ajudou em nada.
Bolsonaro é considerado um “mito” em fóruns e canais de discussão de jovens que operam abaixo do radar da maioria das pessoas, congregando racismo, misoginia, homofobia e ódio em estado puro. Nesses chans (espaços que funcionam sem necessidade de login ou conta e, geralmente, anônimos), narrativas são construídas e buriladas e estratégias de ataques a grupos minoritários organizadas, normalmente usando a internet.
É assustador saber que alguém visto como “normal” e “comum” pode ser capaz, nos contextos histórico, político e social apropriados, tornar-se o que convencionamos chamar de “monstro”. Ou seja, os monstros podem ser nossos vizinhos, nossos colegas de sala ou até nós mesmos.
Em casos extremos, basta que tenham o conjunto de estímulos (ou a falta deles) e os contextos certos de frustração, solidão, ansiedade, insegurança. A partir daí, ficam mais suscetíveis a aprender a odiar determinados grupos que culparam por seu sofrimento e a transformar esse ódio em violência. Ninguém nasce um “monstro”, torna-se.
Jovens que se reúnem nesses fóruns já celebram as mortes de Aracruz, como celebraram as oito mortes da escola em Suzano, em março de 2019, e chamaram os dois algozes, um de 17 e outro de 25, de heróis. Ao final, um matou o amigo e suicidou-se. Entraram imediatamente para um bizarro Hall da Fama.
Outros que também aplaudem os homicídios são fóruns de discussão que reúnem “Incels” (sigla em inglês para “celibatários involuntários”), rapazes frustrados, solitários e inseguros por não conseguirem ter relações afetivas e sexuais, culpando as mulheres e outros homens por isso. Sentem-se perdedores e parte deles atribui isso a si mesmo e outros à sociedade.
Uma parte dos Incel não é violenta, outra sim. E esse segundo grupo soma assassinos ao seu panteão, como fez com o jovem que tinha raiva de garotas e matou 12 crianças e adolescentes, entre 12 e 14 anos, em uma escola em Realengo, no Rio de Janeiro, em 2011.
A trajetória do jovem envolvido nessa tragédia precisa ser analisada. Isso não o exime do que fez, mas saber o nível de distúrbio contribui para entender melhor o contexto e os gatilhos que os levaram a provocar dor e sofrimento a outras famílias e às suas próprias.
O bullying sozinho não leva alguém a assassinar outra pessoa. Mas esse não é o único elemento envolvido, principalmente se considerarmos que muita gente nesses fóruns atua o tempo todo para transformar jovens com problemas de socialização em armas para os seus objetivos. Sim, temos covardes em todos os lugares.
Precisamos aprimorar métodos a fim de alcançar essas pessoas antes que outras pessoas com más intenções os alcance. E, agindo com empatia, tentar buscar criar canais para conectá-los com a complexidade e a pluralidade do mundo. Antes que seja tarde.
Ao invés de armar professores e colocar detectores de metal nas escolas, propostas inúteis e perigosas que sempre aparecem após casos como esses, precisamos atuar de forma coletiva para desarmar mãos, mentes e corações no que for possível.
Reduzir a maioridade penal tampouco ajuda. Para muitos desses jovens, saber que eles poderiam ser presos ao cometerem tais atos simplesmente não faz diferença, lembrando que, não raro, se matam ao final.
O jovem em Aracruz, ao que tudo indica, usou a arma do pai policial, mas outros casos não são assim. Revogar os decretos armamentistas de Bolsonaro não vai resolver tudo, mas será um bom começo.
Ao mesmo tempo, precisamos reduzir o ódio na sociedade, através da desconstrução do discurso que defende a aniquilação do adversário. Derrotar o bolsonarismo, que se manterá após a saída Bolsonaro, não vai resolver tudo, mas será um bom começo