Durante anos a empresa desenvolveu uma tecnologia única para produzir as máquinas mais avançadas na fabricação de microchips.
É difícil imaginar que dentro de um edifício corporativo comum, adornado de muito vidro e aço, seja fabricada a máquina que talvez seja a mais preciosa do mundo hoje.
Há uma razão para a tecnologia por trás dela estar no centro de uma corrida acirrada na qual os Estados Unidos e a China competem para tentar ser a superpotência dominante do futuro.
A fábrica está localizada no sul da Holanda e pertence à ASML, que se tornou a empresa de tecnologia mais valiosa da Europa.
E o que é essa fábrica produz?
Ela projeta e fabrica as máquinas que produzem microchips de computador, mas não qualquer microchip.
São máquinas que fabricam os microchips mais avançados do mundo, e a ASML é a única empresa do planeta que possui esse tipo de tecnologia.
Esse monopólio efetivo significa que a operação exata das máquinas ASML está sujeita a algumas das medidas de segurança corporativa mais rígidas do mundo.
A BBC teve acesso exclusivo ao interior do edifício, onde os responsáveis explicaram como funciona seu trabalho.
Complexidade
Os microchips são feitos construindo padrões complexos de transistores, ou interruptores elétricos em miniatura, camada por camada, em uma minúscula superfície de silício.
Eles são impressos usando um sistema litográfico no qual a luz é projetada através de um plano do padrão desses interruptores em miniatura.
A luz é então reduzida e focalizada usando ótica avançada, e o padrão é gravado em uma espécie de pastilha de silício fotossensível.
Esse padrão forma o circuito de um microchip de silício, que pode acabar em um computador, telefone ou outro dispositivo elétrico.
O objetivo é tentar fazer o melhor e mais eficiente microchip em escala, e quanto menor, melhor.
Esse é o elemento diferenciador das máquinas ASML mais avançadas, que podem trabalhar em escalas minúsculas gerando luz ultravioleta extrema superfina, tão pequena quanto 13,5 nanômetros.
São linhas mais finas que um fio de cabelo humano, que têm entre 50 e 100 mil nanômetros.
Sander Hofman, da ASML, faz uma comparação com canetas de pontas diferentes.
“Devido ao pequeno comprimento de onda, é como se você estivesse usando uma caneta de ponta fina para desenhar essas linhas de circuitos integrados, em vez das máquinas da geração anterior que usavam, por assim dizer, uma caneta hidrográfica”, compara Hofman.
A capacidade de gravar silício com circuitos tão finos permite que mais componentes sejam inseridos no silício, o que, por sua vez, significa que os dispositivos eletrônicos podem ter maior poder de processamento e mais memória, mantendo o mesmo tamanho.
Pureza
As máquinas funcionam no vácuo, pois todo o processo de produção de um microchip pode ser arruinado pela menor impureza, como uma partícula de pele.
Quando visitamos a fábrica, o técnico Bram Matthijssen estava montando um dos projetos mais recentes da ASML no que parecia ser um dos ambientes mais limpos do planeta.
“Há momentos em que temos que colocar luvas sobre luvas para garantir que não deixaremos impressões digitais e, assim, garantir que não haja poeira extra na máquina”, explica Matthijssen.
“Uma única impressão digital… pode causar grandes danos à máquina”, ressalta.
As máquinas são muito grandes e complexas. Uma máquina ultravioleta extrema (EUV, na sigla em inglês) pode levar um ano para ser montada e entregue.
Em 2022, a empresa entregou apenas 50 de seu modelo de maior especificação e 400 máquinas no total.
As vendas, que se somaram à receita da execução e atualização das máquinas existentes, renderam à ASML cerca de US$ 22,7 bilhões (R$ 117 bilhões) no ano passado.
As encomendas que têm em carteira duplicam esse número. E esse crescimento de vendas se traduz em aumento da força de trabalho, que cresceu em um terço nos últimos 12 meses.
‘Relativamente pouco conhecido’
Wayne Lam, consultor da empresa de pesquisa de tecnologia CCS Insights, diz que as máquinas que a ASML fabrica levam anos, ou mesmo décadas, para serem desenvolvidas e refinadas.
Um exemplo são as máquinas de maior valor agregado nas quais a ASML trabalha desde o início dos anos 2000, deixando para trás outras empresas do setor.
“Tenho certeza de que há concorrentes em formação… no entanto, no curto prazo, não há concorrentes reais para ASML”, diz ele.
Nada mal para uma empresa “relativamente pouco conhecida”.
A batalha entre EUA e China
Ser uma engrenagem tão crucial na indústria eletrônica global traz desafios.
A ASML está atualmente no meio de uma batalha entre os EUA e a China.
Pequim há muito deseja fabricar os chips de computador mais avançados, para os quais precisa de máquinas ASML.
Mas desde 2019, Washington tem efetivamente impedido a ASML de exportar essas máquinas para a China.
Joris Teer, analista do Centro de Estudos Estratégicos de Haia, diz que os Estados Unidos estão interessados em impedir que a China alcance a tecnologia de microchips.
“Os EUA mudaram seus objetivos, de ter algumas gerações à frente de seus rivais, para ter a maior vantagem possível, o que também significa afastar seus rivais o mais longe possível”, diz ele.
Houve relatos de que as autoridades holandesas e americanas chegaram a um acordo sobre as exportações de ASML, mas nenhum detalhe foi divulgado.
A própria ASML reagiu à notícia com uma declaração explicando que qualquer restrição exigiria muito trabalho e tempo antes que a legislação pudesse ser implementada.
Embora o CEO da ASML, Peter Wennink, não acredite que seus negócios serão seriamente afetados pelas restrições à exportação a longo prazo.
“Se os semicondutores não puderem ser fabricados na China, eles serão fabricados na Coreia do Sul, Estados Unidos, Europa ou Taiwan”, diz ele.
“Em última análise, enviaremos essas máquinas porque o mundo precisa dessa capacidade”, acrescenta.