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Anúncio pago em redes sociais chama para ato golpista e mente sobre eleição – 25/11/2022

Anúncio pago em redes sociais chama para ato golpista e mente sobre eleição – 25/11/2022

“Nós não vamos deixar um ladrão assumir nossa nação, e as Forças Armadas têm a obrigação de nos defender. Nós não estamos pedindo pra eles, nós estamos exigindo deles que nos dêem amparo”, escreveu Sergio Bolsi na página Desperta Brasil Sergio Bolsi. O post foi veiculado por uma semana, entre 15 e 22 de novembro, no Facebook, Instagram e Messenger e foi visto entre 40 mil e 45 mil vezes. Impulsionado, custou menos de R$ 100 para o anunciante.

Assim como ele, a Agência Pública identificou ao menos outros 65 anúncios publicados no Facebook e Instagram por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) que não aceitam a derrota do líder nas urnas. Os textos divulgam protestos antidemocráticos e defendem um golpe para impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e já foram vistos no mínimo 414 mil vezes desde o início de novembro.

Anúncios com teor golpista e que propagam desinformação sobre as eleições não são permitidos pelas políticas da Meta. Ainda assim, apenas quatro das publicações analisadas foram removidas pela plataforma até a publicação desta reportagem.

Os anúncios também foram usados para propagar a narrativa falsa de que as eleições foram fraudadas, como no conteúdo postado pela página Robô Reacionário. Em um vídeo de quatro minutos, a página diz apresentar dez fatos sobre as eleições, mas se detém em disseminar dúvidas sobre a segurança do sistema eleitoral e apresentar uma série de argumentos já desmentidos por agências de checagem e pelo próprio TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O vídeo afirma, por exemplo, que o TSE retirou seu site do ar após receber denúncias de fraude, o que é mentira. Ao final do vídeo, os autores pedem que as pessoas que duvidam do resultado eleitoral se manifestem: “o futuro de sua família e do Brasil dependem disso”. O conteúdo gerou de 100 mil a 125 mil impressões e custou entre R$ 200 a R$ 299.

Ao menos outros 3 dos 20 anúncios veiculados pela Robô Reacionário em novembro chamaram as urnas de “inauditáveis” e atribuíram a eleição de Lula a uma suposta fraude. A página já gastou mais de R$ 1.700 com anúncios entre agosto e 20 de novembro, dos quais R$ 666 foram investidos a partir do dia 14 de novembro, véspera do feriado da Proclamação da República e de uma série de atos antidemocráticos que pedem a manutenção de Bolsonaro no poder na frente dos quartéis.

A segunda semana de novembro respondeu pelo maior número de publicações impulsionadas. Entre os anúncios que buscavam chamar mais gente para os atos de 15 de novembro, um deles divulgava um ônibus gratuito entre a capital paulista e Brasília (DF): “Olá amigos patriotas de #saopaulo vamos marchar rumo a #brasilia defender nosso país”.

A passagem gratuita era só de ida, sem data de retorno. O conteúdo foi postado pela página Nahand, que diz ser de uma loja online, mas não tem seguidores, curtidas nem apresenta produtos a serem vendidos. Os únicos dois posts feitos pela página são sobre política e pró-Bolsonaro.

“Se qualquer agente de guarda municipal, policiais estaduais e federais, tentarem retirar as pessas de frene dos qurtéis, procurem o oficialde dia no quartel imediatamente! Os 3 comandantes das Forças já emitiram nota permitindo as manifestações”, orientou outra mensagem, em letras maiúscuas no original. O anúncio foi veiculado no Instagram entre 13 e 14 de novembro e foi visto entre 1.000 e 2.000 vezes.

Ao menos outros quatro conteúdos impulsionados citaram uma nota emitida pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica como prova de que os manifestantes teriam o apoio das Forças Armadas na empreitada golpista. A nota defendeu a existência das manifestações, mas, como mostra reportagem da Agência Pública, a Alta Cúpula do Exército não pretende colocar tanques na rua.

Diversas publicações pediram ainda que as pessoas compartilhassem as postagens sobre as manifestações — um dos anúncios chegou a defender que mais gente pagasse por alcance na Meta, ou seja, anunciasse na plataforma.

“Participe e ajude os acampamentos nos quartéis, os caminhoneiros, e fechem empresas, caso contrário, o prejuízo será muito maior, por 4 anos no mínimo! Compartilhe, anuncie, é barato”, dizia o conteúdo, também escrito em letras maiúscula no original.

O anúncio foi publicado pela página 15 Dias de Saúde, que diz vender suplementos com desconto. Como o conteúdo não foi classificado pelo Facebook como de “temas sociais, eleições ou política”, única categoria que permite transparência com acesso aos dados de impressões e valor gasto, não há como saber quantas pessoas viram a publicação nem quem pagou por ela.

A maior parte dos anunciantes pagou menos de R$ 100 para levar seu conteúdo a mais gente, mas alguns anunciantes chegaram a desembolsar entre R$ 200 e R$ 300.

A Meta afirmou à reportagem, por meio de nota, que “diante da escala de nossos serviços, proibir determinados conteúdos não significa incidência zero” e ressaltou que, do início da campanha eleitoral até o primeiro turno, rejeitou “cerca de 135 mil conteúdos impulsionados direcionados ao Brasil de anunciantes que não haviam concluído o processo de autorização ou de posts que não continham o rótulo ‘Pago por’ ou ‘Propaganda Eleitoral'”.

“Proibimos anúncios questionando a legitimidade da eleição brasileira e removemos publicações com pedidos de intervenção militar no país”, disse a empresa. A Meta também afirmou que se preparou “extensivamente para as eleições brasileiras de 2022” e está comprometida em “seguir aprimorando a aplicação” de suas políticas.

Políticos, lideranças religiosas e empresários do agronegócio

“O agro é nosso! O agro é nosso! O agro é nosso!”, gritavam as pessoas em um dos seis vídeos impulsionados por Raijan Mascarello, que se define como um agricultor mato-grossense em sua descrição no Instagram. “Não podemos deixar essa quadrilha comunista voltar a roubar nosso Brasil! Vamos lutar até o fim, mas com certeza sairemos vencedores!!!” escreveu ao compartilhar o conteúdo. Ele gastou entre R$ 200 e R$ 299 e seu conteúdo foi visto entre 50 mil e 60 mil vezes durante quatro dias de novembro (16, 17, 18 e 19).

Além dele, uma página em nome de Lucas Vincensi, que tem apenas um seguidor, impulsionou no Instagram fotos de um homem segurando uma bandeira do Brasil em uma lavoura e escreveu “quando você não respeita a bandeira do seu país, oque esperar desta nação. S.O.S FFAA” (sic). O termo “SOS FFAA” [que significa socorro Forças Armadas] tem sido um dos motes dos movimentos golpistas e aparece nos anúncios, junto a outros, como “intervenção federal”, que foi citado 11 vezes. Também não foram disponibilizados dados sobre o alcance do conteúdo publicado por Vincensi.

Edmar Park também se descreve como agropecuarista e pagou entre R$ 300 a R$ 399 para a Meta a fim de impulsionar vídeos que mostram os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) sendo hostilizados em evento em Nova York. O vídeo foi visto entre 125 mil e 150 mil vezes. A reportagem identificou ao menos outros cinco vídeos impulsionados que mostraram pessoas xingando os ministros em sua passagem pelos Estados Unidos.

Outro conteúdo impulsionado mostra um homem que se identifica como padre dizendo que os ministros do TSE “não vão abrir os computadores para que as Forças Armadas possam ver se tem corrupção”, o que fará com que as eleições sejam anuladas. O anúncio também não foi rotulado como de temas políticos e não é possível acessar dados sobre sua dispersão. Foi publicado pela página Bolsonaristas Patriotas, que não está mais disponível.

Entre os políticos, o nome de maior destaque é o do Tenente Coronel Zucco (Republicanos), deputado federal eleito em 2022 pelo Rio Grande do Sul. Ele fez ao menos três anúncios nos quais defende as manifestações e diz que as Forças Armadas “permanecerão, como sempre fizeram, ao lado do povo brasileiro”.

De acordo com o Divulgacand, plataforma de prestação de contas do TSE, Zucco gastou R$167.505 com impulsionamento de conteúdo durante a campanha, dos quais R$163.505 foram pagos ao Facebook.

“A mídia tradicional [está] buscando ali influenciar a grande massa contra esses manifestantes, mas o mais interessante: eles estão tentando ignorar o que aconteceu hoje no Brasil, que foi um momento histórico. Milhões de pessoas foram para a frente dos quartéis pedindo intervenção federal”, disse Eder Borges (Progressistas), vereador de Curitiba (PR) e ex-candidato a deputado federal pelo Paraná. “A única coisa certa nesse momento é que esse é o prelúdio de um Brasil em chamas”, finalizou no anúncio.

Borges gastou R$ 34 mil em sua campanha em despesas com impulsionamento de conteúdo no Facebook, mas obteve apenas 9.290 votos nas últimas eleições.

Anúncios golpistas ferem políticas da Meta

Coordenadora de informação e política no Internet Lab, Ester Borges diz que a Meta legitima o discurso golpista ao aprovar posts pagos com esses conteúdos. “Os anúncios usam todas as ferramentas daquela plataforma para alcançar um número cada vez maior de pessoas, então, de alguma forma, a Meta está legitimando esse discurso ao aprovar um anúncio como esse”, afirma.

Para João Guilherme Bastos, pesquisador de internet e política do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), esse tipo de anúncio é mais problemático do que um post comum, porque chega em mais pessoas.

“Eles não simplesmente falam ‘ah, não gostei do resultado da eleição’, eles dizem que existem provas que as urnas foram fraudadas, eles dizem que teve interferência externa. Essa difusão de informações falsas impulsionada pelas ferramentas da plataforma é algo totalmente incompatível com o que em tese seria permitido”, diz.

O pesquisador aponta ainda que os anúncios nas redes são feitos de modo a atingir justamente as pessoas mais propensas a acreditar naqueles conteúdos.

“Mesmo um grupo sendo minoritário, a partir do momento que você consegue atingir ele de modo direcionado e rápido, se você focar nos grupos certos você consegue perturbar um processo eleitoral”, afirma.

Não é aceitável que a gente deixe isso passar”
João Guilherme Bastos, pesquisador de internet e política

A reportagem perguntou à Meta quantas pessoas que falam português estão dedicadas à moderação dos anúncios e quantas horas diárias elas dedicam à função, mas a plataforma não respondeu. Um porta-voz da empresa acrescentou que esses números não refletem a complexidade do trabalho da equipe de moderação, que monitora 2 milhões de publicações por dia mundialmente.

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