Em meio ao avanço dos julgamentos de ativistas presos nas manifestações de 11 de julho do ano passado, esta quinta-feira (1º) marca o início da vigência do novo Código Penal cubano, aprovado por unanimidade pela Assembleia Nacional do Poder Popular em maio —a regra se aplicará a delitos cometidos a partir de agora.
O regime considera que a normativa moderniza a que vigorava até aqui. De fato, há avanços pontuais como a tipificação para crimes de violência doméstica, baseados em gênero ou em discriminação racial. A maior parte das mudanças, porém, tem como fim limitar protestos populares e restringir o financiamento estrangeiro de ONGs e meios de comunicação independentes, além de regular atividades online ao estabelecer categorias criminais para delitos digitais.
O texto ainda aumenta, de 20 para 24, o número de crimes que podem ser punidos com a pena de morte —punição que, apesar de ser prevista no Código atual, não vem sendo aplicada desde 2003; a maioria deles está relacionada a ataques ao Estado.
Também são mais numerosos (31, ante 25) os casos em que pode haver uma condenação de prisão perpétua. Sanções para quem ajude a financiar ações que atinjam o Estado —definição que, no limite, pode enquadrar o patrocínio a um site crítico ao regime ou a ajuda a uma ONG artística— podem chegar a dez anos de prisão.
“É um Código Penal medieval, que criminaliza ainda mais o ativismo político e qualquer forma de dissenso da sociedade”, diz à Folha a escritora e ativista Marta María Ramírez, que vive exilada na Alemanha. “Ele vai significar mais repressão —e também mais medo de sair para protestar. Só lendo o texto já sabemos em que sistema político estamos. E fica a impressão de que, se já somos uma ditadura agora, logo podemos passar a uma ditadura sangrenta.”
Ao mesmo tempo que entra em vigor o novo Código Penal, passaram para a fase final os julgamentos de presos nas manifestações contra o regime do que ficou conhecido como 11J. Foram ao menos 1.470 detenções relacionadas aos protestos, e segundo a Procuradoria 700 pessoas já foram processadas.
As penas de ações já encerradas na Justiça surpreenderam pelo rigor. Houve casos de menores de idade recebendo condenações de mais de 20 anos de prisão. Juntas, as penas de 128 pessoas acumulavam, desde o último relatório oficial, mais de 2.000 anos na cadeia.
A convocação para manifestações semelhantes meses depois acabou frustrada justamente em meio a um cerco intenso do regime —sem contar que muitos opositores partiram para o exílio.
Jonathan Torres Farrat, que tinha 17 anos na ocasião das manifestações, foi preso por ter então saído às ruas com alguns amigos. Há seis meses, permitiram que ele respondesse ao processo em liberdade. “Meu filho só saiu gritando coisas que leu na internet. Não estava armado, não arrumou confusão, não cometeu atos de vandalismo. Mesmo assim pedem oito anos de prisão”, diz à Folha Barbara Farrat, sua mãe, com quem ele está hoje, em Havana.
A acusação sustenta que Jonathan cometeu atentados contra a ordem pública. Para Barbara, além de injustos, os julgamentos são parciais. “Os revolucionários que [o líder do regime, Miguel] Díaz-Canel chamou para sair às ruas e ajudar na repressão não estão sendo julgados”, afirma, em referência aos relatos de abusos na dispersão dos atos.
Junto a um grupo de outros familiares de detidos, Barbara tenta fazer com que vídeos filmados em celulares não sejam usados como evidência única de delitos. “Em muitos casos, não dá para ver direito quem está atirando uma pedra ou atacando algo. São imagens rápidas, de má qualidade. Deveriam, no mínimo, cruzar essas provas com outras.”
A entrada em vigor do Código Penal e a angústia envolvendo a repressão e o julgamento dos presos no 11J engrossam picos de insatisfação de cubanos com o regime —refletidos também, por exemplo, nas crise energética que atinge a ilha.
Em duas votações recentes (o referendo do Código das Famílias, que, entre outras coisas, legalizou o casamento gay, e as eleições municipais no último domingo), a participação foi considerada baixa para os padrões de Cuba —por ser uma ditadura, deixar de votar pode levar a punições que complicam a vida dos cidadãos, de restrições ao estudo dos filhos a acesso a medicamentos.
No referendo, o comparecimento foi de 78% dos habilitados e no pleito regional, de 68,58%. “Nas condições em que as pessoas vivem, não votar é uma forma de protesto importante. É como se manifestar, mas com os braços para baixo, silenciosamente. Ainda não sabemos que consequências isso trará, mas a insatisfação com o regime não terminou com a repressão ao 11J”, diz Ramírez.