Os gastos do governo têm sido umas das principais discussões econômicas na transição entre os governos Bolsonaro e Lula. Há divergências na elaboração da PEC da Transição (Proposta de Emenda à Constituição) que pode abrir espaço no Orçamento para permitir que o governo gaste mais do que pode hoje.
Isso seria necessário para pagar todas as medidas propostas em campanha, incluindo a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600. A preocupação é como fazer isso sem estourar as contas do governo, o famoso teto de gastos. O UOL conversou com analistas de mercado para discutir as saídas. Entenda o problema e veja as soluções que eles propõem abaixo.
O que é o teto de gastos? O teto é o valor máximo que a União pode gastar e ajuda a controlar a dívida pública. Ele foi aprovado em 2016, começou a valer em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer, e tem duração de 20 anos.
O teto limita o aumento das despesas do governo pela variação da inflação. O limite de gastos vale para a administração federal — não vale para municípios, estados e Distrito Federal.
Qual a dívida do governo hoje? A dívida pública era de R$ 5,75 trilhões em setembro, de acordo com os últimos dados divulgados pelo Ministério da Economia. Um relatório da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado) diz que a dívida bruta, que deve encerrar 2022 em 76,6% do PIB (Produto Interno Bruto), passaria a 79,5% do PIB em 2023 e alcançaria 95,3% do PIB em 2031.
A IFI diz que é importante começar a discussão sobre as fontes de financiamento para a PEC. “Quando isso acontecer, nos depararemos com gastos rígidos, carga tributária elevada e um nível de endividamento acima da média para países emergentes”, escreve a instituição em relatório.
De onde virá o dinheiro para bancar tudo? Os especialistas ouvidos pelo UOL dizem que o que mais preocupa o mercado é saber de onde virá o dinheiro para bancar as promessas de campanha, como a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 e o reajuste real do salário mínimo acima da inflação.
Que regra de gastos Lula vai adotar? Juliana Damasceno, economista e analista sênior da Tendências Consultoria, diz que a grande questão agora é entender como será esse furo. Para ela, é possível ter responsabilidade fiscal sem o teto de gastos, mas falta o governo eleito informar como será a nova regra e quando ela começa a valer.
Damasceno afirma que desde o começo era esperado que o teto fosse furado, já que tanto Lula como Bolsonaro prometiam o aumento do valor do Auxílio Brasil, medida que não está prevista no Orçamento de 2023.
Qual o primeiro passo do governo? O coordenador dos MBAs de gestão financeira da FGV (Fundação Getulio Vargas), Ricardo Teixeira, afirma que o governo eleito precisa fazer uma análise minuciosa do Orçamento de 2023 para entender que gastos podem ser cortados.
Teixeira diz que, mais importante do que a manutenção do teto de gastos, é que exista uma regra fiscal que delimite os gastos do governo, que pode ter outro nome ou forma de funcionamento.
O governo deveria estudar detalhadamente o Orçamento, entender que tipo de desoneração que foi criada recentemente e que deveria deixar de existir para sobrar mais dinheiro em caixa. Na hipótese mais radical, aprovar a PEC só por um ano para que o governo não tenha um problema fiscal e buscar uma alternativa ao longo do ano.
Ricardo Teixeira, coordenador dos MBAs de gestão financeira da FGV
O que Lula precisa fazer? Damasceno diz que Lula precisa mudar o discurso e que deve mostrar de onde virá o dinheiro para bancar o aumento dos gastos públicos.
Outro ponto que ainda assusta o mercado é a falta de definição da equipe econômica, principalmente quem será o ministro da Economia.
O mercado não quer o teto por querer. A questão é que não existe responsabilidade social sem as contas arrumadas.
Juliana Damasceno
Daniel Miraglia, economista-chefe do Integral Group, especializado em serviços financeiros, afirma que Lula falou durante a campanha sobre responsabilidade fiscal e, a partir do momento em que se tornou o presidente eleito, suas ações contam mais do que o discurso.
Para ele, a PEC da Transição da forma como foi proposta não resolve a questão da responsabilidade nas contas públicas.
Quais os problemas práticos dessa incerteza sobre gastos? Miraglia diz que o cenário de incerteza faz com que o mercado já projete uma alta na inflação e nos juros futuros.
Caso o governo adote uma postura de aumento de gastos públicos, isso vai aumentar a inflação e a taxa de juros, que é usada para controlar o aumento dos preços.
Como o pagamento da dívida tem cobrança de juros, quanto maior a taxa de juros, maior o endividamento do país, o que dificulta o pagamento da dívida, e o crescimento econômico.
Quais são as alternativas? Ainda não existe uma definição oficial de uma nova regra. Veja algumas propostas discutidas:
– Cortes e reformas: O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), defendeu que Lula inicie o mandato com corte de gastos e aprovação de reformas.
– Dívida em alta, gasto em baixa: O Tesouro Nacional apresentou uma proposta de regra para substituir o teto de gastos. Ela define que, quanto maior o nível da dívida pública, menor o aumento das despesas.
Caso a dívida esteja em uma trajetória de alta, o limite para a despesa será menor do que se a dívida estiver em trajetória de queda. Isso evitaria endividamento maior.
– Limites para Auxílio Brasil: O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) propôs limite aos gastos com o Auxílio Brasil. O estouro com o programa poderia ser de R$ 70 bilhões até o ano que vem. E o governo eleito precisaria apresentar novas regras para substituir o teto de gastos até julho de 2023.
– Aumento do teto: O senador Tasso Jereissatti (PSDB-CE) defende aumento do teto de R$ 80 bilhões no ano que vem, o que garantiria que não houvesse um furo nos gastos.
Pente-fino no Auxílio: Os especialistas afirmam que o Auxílio Brasil precisa ser revisto. Em novembro, 21,53 milhões de famílias receberam o benefício, 400 mil a mais do que em outubro.