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Brasil omite crise e mortes na ONU, e é pressionado por dezenas de governos – 14/11/2022

Brasil omite crise e mortes na ONU, e é pressionado por dezenas de governos – 14/11/2022

Uma sessão da ONU nesta segunda-feira se transformou num raio-x das políticas públicas do governo de Jair Bolsonaro, enquanto dezenas de governos cobraram sua gestão por conta da deterioração da situação de direitos humanos no Brasil, o encolhimento do espaço para a sociedade civil, além de violência contra minorias, mulheres, indígenas e jornalistas.

Pelo sistema da sabatina da ONU – oficialmente chamada de Revisão Periódica Universal – governos de todo o mundo são convidados a fazer perguntas e apresentar recomendações ao país examinado. No caso brasileiro, a reunião que contou que mais de duas dezenas de representantes de Brasília demonstrou a insatisfação entre os vários governos estrangeiros e a administração de Bolsonaro.

Além das cobranças de governos, ativistas e especialistas alertaram que o governo usou o palco da ONU para desinformar sobre a situação do país e as ações do governo, além de omitir dados sobre a destruição do meio ambiente, mortes por covid, assassinatos pela polícia e desmonte de instituições. A indignação foi de tal dimensão que, da ala onde estavam as ongs dentro da sala das Nações Unidas, ativistas não se continham. “Mentira”, alertava uma voz do grupo de ativistas.

Ao apresentar seus informes, os representantes do Executivo insistiram na tecla de que existe um compromisso total do governo Bolsonaro com os direitos humanos no país.

Outra declaração que causou estranheza foi feita pelo Ministério da Saúde, que indicou que a estratégia de Bolsonaro permitiu “controlar a pandemia” da covid-19. Segundo o governo, foi realizada a “maior campanha de vacinação de nossa história”. Mas em nenhum momento as autoridades citaram o atraso na compra das vacinas, os 700 mil mortos e um colapso do sistema de saúde em várias partes do país.

No setor da Educação, várias das leis citadas pelo governo foram criadas nas gestões do PT, enquanto alguns dos projetos mencionados sequer tiveram verba suficiente.

Já a Funai causou mal-estar entre os grupos indígenas e ambientalistas, ao afirmar que houve uma queda de desmatamento dentro das áreas indígenas entre 2019 e 2021. Ativistas e entidades rejeitaram os números apresentados pelo órgão para a ONU.

O Brasil terá até fevereiro de 2023 para dar uma respostas às sugestões e críticas. Mas a equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva já conversa com Brasília para impedir que a atual administração bolsonarista assuma qualquer compromisso, já que um novo governo assumirá o país em menos de 50 dias.

Indígenas e meio ambiente

Um dos temas mais citados foi a situação dos indígenas brasileiros. Bolsonaro havia alertado que não iria realizar qualquer nova demarcação durante sua gestão. Mas governos estrangeiros deixam claro que a situação é crítica e que preocupa a comunidade internacional.

As autoridades de Luxemburgo, por exemplo, pediram medidas contra invasões de terras indígenas, enquanto a Malásia apontou para a situação dos indígenas afetados por covid-19. Moçambique ainda pediu o reforço de medidas para garantir os direitos de indígenas, enquanto Malta propôs fortalecer agências como Funai e entidades ligadas ao meio ambiente.

O governo da Noruega pediu a volta da demarcação e garantir proteção de indígenas, um ponto ainda levantado por governos como o dos Estados Unidos, Canadá, Holanda, Ucrânia, Romênia, Coreia do Sul, Peru e Nova Zelândia. Até a Polônia, um aliado do bolsonarismo, pediu fortalecimento de proteção aos indígenas.

O governo mexicano ainda cobrou um compromisso com a demarcação de terras, enquanto a Eslovênia pediu que povos tradicionais sejam consultados em projetos que possam afetar seus direitos.

O governo da África do Sul pediu maior ação contra o desmatamento e proteção aos grupos indígenas. Já a Austrália e a Suíça pediram o fortalecimento da Funai e a volta da demarcação de terras, e enquanto o Reino Unido insistiu sobre a necessidade.

O governo da Venezuela ainda aproveitou o encontro para felicitar a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, nas eleições em outubro, e apontar que está “preocupado com a situação deteriorada que o governo anterior (Bolsonaro) deixou no que se refere aos povos indígenas”.

Em nenhum momento o governo citou os números totais de desmatamento, nem de mortes de indígenas ou invasão de terras.

Saúde sexual e descriminalizar aborto

Outro destaque foi a situação do atendimento a mulheres e meninas. Os governos da Austrália e da Nova Zelândia pediram a garantia de acesso à saúde sexual e reprodutiva sem barreiras judiciais, além de acesso ao aborto legal.

O mesmo tema foi citado pelo governo do México e da Argentina, enquanto a Noruega pediu a descriminalização do aborto e o acesso ao aborto seguro.

O governo da Suíça também citou a situação do aborto. Mas, numa intervenção durante o encontro, o Ministério da Saúde reconfirmou que o governo é “controla o aborto” e garantiu que o protocolo usado para ter acesso a tais serviços é adequado. A versão é contestada por movimentos da sociedade civil, que apontam que o novo modelo dificulta o acesso de mulheres ao aborto legalmente previsto pela Constituição.

Para o governo da Espanha, ainda que leis para combater a violência contra a mulher existam, sua aplicação não ocorre de maneira adequada.

Espaço para sociedade civil

A violência contra a sociedade civil e jornalistas também foi destacada pelas autoridades estrangeiras. O governo da Holanda pediu a reconstrução do espaço cívico, enquanto Malta apontou para a necessidade de dar recursos para garantir a proteção de defensores de direitos humanos.

Austrália, Montenegro, Letônia e Lituânia também pediram maior espaço para a sociedade civil e o combate à perseguição contra jornalistas e ativistas, assim como a garantia de investigações de eventuais crimes.

A Noruega ainda pediu medidas para a proteção a defensores de direitos humanos, ambientalistas e jornalistas, enquanto a Espanha insistiu sobre a necessidade de uma maior ação pela proteção de ambientalistas.

Ao tomar a palavra, o governo da Suécia afirmou que está “preocupada” com a situação de defensores de direitos humanos. Segundo os escandinavos, o país precisar “garantir que ameaças e ataques sejam investigados e que os responsáveis sejam responsabilizados”.

O governo de Joe Biden também insistiu sobre a necessidade de que ambientalistas, sindicalistas e outros atores da sociedade civil sejam protegidos contra a violência.

Homofobia

Os ataques contra o movimento LGBTQI+ também foram citados. Governos como o do México, Reino Unido, e Malta pediram que medidas concretas sejam adotadas para lutar contra a homofobia. A Noruega, por exemplo, ainda pediu que protocolos sejam estabelecidos para a ação da polícia, no que se refere ao tema.

O governo da Suécia também afirmou estar “preocupada” com a situação de minorias, como dos movimentos LGBTQI+. Já as autoridades da Venezuela se disseram “preocupadas” com o discurso de ódio contra essa população.

Afrobrasileiros e violência policial

O governo Bolsonaro ainda foi cobrado por conta da violência policial e racismo. O assunto foi tocado pelas autoridades da Nova Zelândia e Coreia dos Sul, enquanto a Namíbia pediu compromisso com a luta contra o racismo estrutural e violência contra afrobrasileiros. Já o governo do Panamá recomendou um maior controle de armas, inclusive em operações policiais.

Uganda sugeriu a adoção de medidas para colocar fim ao racismo, enquanto o governo dos EUA quer investigações sobre todas as ações policiais, em especial contra afrobrasileiros.

Respostas

Durante as mais de três horas de sabatina, o governo Bolsonaro apresentou seus dados sobre suas políticas públicas. Os dados e declarações, porém, foram questionados pelos representantes da sociedade civil.

Cristiane Britto, ministra de Família, Mulher e Direitos Humanos, liderou a delegação brasileira e garantiu que existe no governo um “compromisso inabalável com os direitos humanos”.

Num discurso, uma representante da Funai ainda garantiu que o órgão tem feito investimentos e apoiado indígenas, inclusive no combate contra a covid-19 e na redução de desmatamento de 26%. Eloy Terena, advogado da Apib, insistiu que os números são falsos. Segundo os dados da WWF, 138% de aumento entre 2019 e 2021, em comparação aos três anos precedentes. So em 2021, foram 18 milhões de arvores cortadas nesses territórios, em 155 terras indígenas.

Já o Ministério da Cidadania insistiu que a extrema pobreza no país caiu e que 7 milhões de pessoas saíram da linha da pobreza.

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