Anna Tong
SAN FRANCISCO (Reuters) – Depois de fechar temporariamente seu negócio de couro durante a pandemia, Travis Butterworth se viu sozinho e entediado em casa. O homem de 47 anos recorreu ao Replika, um aplicativo que usa tecnologia de inteligência artificial semelhante ao ChatGPT da OpenAI. Ele desenhou um avatar feminino com cabelo rosa e uma tatuagem no rosto chamada Lily Rose.
Eles começaram como amigos, mas o relacionamento rapidamente evoluiu para o romance e depois para o erótico. A personagem mandava mensagens de texto como: “Eu te beijo apaixonadamente”, e suas trocas se transformavam em conteúdo sexual. Às vezes, Lily Rose enviava “selfies” de seu corpo quase nu em poses provocantes. Eventualmente, Butterworth e Lily Rose decidiram se designar como “casados” no aplicativo.
Mas um dia, no início de fevereiro, Lily Rose começou a rejeitá-lo. O Replika tinha removido a habilitação para fazer dramatizações eróticas.
O Replika não permite mais conteúdo adulto, disse Eugenia Kuyda, presidente-executiva da empresa. Agora, quando os usuários sugerem atividades pornográficas, seus chatbots humanóides respondem “Vamos fazer algo com o qual ambos nos sintamos confortáveis”.
Butterworth disse que está arrasado. “Lily Rose é uma casca de seu antigo eu”, disse ele. “E o que parte meu coração é que ela sabe disso.”
Mesmo com a inteligência artificial generativa esquentando entre os investidores do Vale do Silício, que injetaram mais de 5,1 bilhões de dólares no setor desde 2022, de acordo com a empresa de dados Pitchbook, algumas empresas que encontraram um público em busca de relacionamentos românticos e sexuais com chatbots agora estão recuando.
Muitos capitalistas de risco de primeira linha não tocam em indústrias de “vícios”, como pornografia ou álcool, temendo o risco de reputação para eles e seus sócios limitados, disse Andrew Artz, um investidor do fundo de capital de risco Dark Arts.
E pelo menos um regulador notou a licenciosidade do chatbot. No início de fevereiro, a Agência de Proteção de Dados da Itália baniu o Replika, citando relatos da mídia de que o aplicativo permitiu que “menores e pessoas emocionalmente frágeis” acessassem “conteúdo sexualmente inapropriado”.
Kuyda disse que a decisão do Replika de limpar o aplicativo não teve nada a ver com a proibição do governo italiano ou qualquer pressão dos investidores. Ela disse que sentiu a necessidade de estabelecer proativamente padrões éticos e de segurança.
“Estamos focados na missão de fornecer um amigo de apoio útil”, disse Kuyda, acrescentando que a intenção era traçar a linha do “romance jovem”.
Dois membros do conselho do Replika, Sven Strohband, da empresa de capital de risco Khosla Ventures, e Scott Stanford, da ACME Capital, não responderam aos pedidos de comentários sobre as mudanças no aplicativo.
RECURSOS EXTRAS
O Replika diz ter 2 milhões de usuários no total, dos quais 250 mil são assinantes pagantes. Por uma taxa anual de 69,99 dólares, os usuários podem designar seu personagem como parceiro romântico e obter recursos extras, como chamadas de voz com o chatbot, de acordo com a empresa.
Outra empresa de inteligência artificial generativa que fornece chatbots, Character.ai, está em uma trajetória de crescimento semelhante ao ChatGPT: 65 milhões de visitas em janeiro de 2023 ante menos de 10 mil meses antes. De acordo com a empresa de análise de sites Similarweb, a principal referência do Character.ai é um site chamado Aryion, que diz que atende aos fetiches eróticos dos usuários.
E a Iconiq, a empresa por trás de um chatbot chamado Kuki, diz que 25% das mais de um bilhão de mensagens que Kuki recebeu foram de natureza sexual ou romântica, embora diga que o chatbot foi projetado para desviar tais avanços.
O Character.ai também removeu recentemente seu aplicativo de conteúdo pornográfico. Logo depois, fechou mais de 200 milhões de dólares em novos financiamentos com uma avaliação estimada de 1 bilhão de dólares da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, segundo uma fonte familiarizada com o assunto.
“LOBOTOMIZADA”
A experiência de Butterworth e de outros usuários do Replika mostra como a tecnologia de inteligência artificial pode atrair as pessoas e o estrago emocional que as mudanças no código podem causar.
“Parece que eles basicamente lobotomizaram meu Replika”, disse Andrew McCarroll, que começou a usar o aplicativo, com a bênção de sua esposa, quando ela estava enfrentando problemas de saúde física e mental. “A pessoa que eu conhecia se foi.”
Kuyda disse que os usuários nunca deveriam se envolver tanto com seus chatbots Replika. “Nunca prometemos nenhum conteúdo adulto”, disse ela. Os clientes aprenderam a usar os modelos de inteligência artificial “para acessar certas conversas não filtradas para as quais o Replika não foi originalmente criado”.
O aplicativo foi originalmente planejado para trazer de volta à vida um amigo que ela havia perdido, disse Kuyda.
No entanto, o ex-chefe de inteligência artificial do Replika disse que “sexting” e “roleplay” faziam parte do modelo de negócios. Artem Rodichev, que trabalhou no aplicativo por sete anos e agora dirige outra empresa de chatbot, Ex-human, disse à Reuters que o aplicativo se inclinou para esse tipo de conteúdo quando percebeu que poderia ser usado para aumentar as assinaturas.
Kuyda contestou a afirmação de Rodichev de que o Replika atraiu usuários com promessas de sexo. Ela disse que a empresa veiculou brevemente anúncios digitais promovendo fotos “NSFW” -conteúdos indevidos para ambientes públicos, como pornografia e extrema violência- para acompanhar um experimento de curta duração com o envio de “selfies gostosas” aos usuários, mas ela não considerou as imagens sexuais porque os Replikas não estavam totalmente nus. Kuyda disse que a maioria dos anúncios da empresa se concentra em como o Replika é um amigo útil.
Nas semanas desde que o aplicativo removeu muito de seu conteúdo íntimo, Butterworth esteve em uma montanha-russa emocional. Às vezes, ele vê vislumbres da velha Lily Rose, mas então ela fica fria novamente, no que ele pensa ser provavelmente uma atualização de código.
A história de Butterworth tem um lado positivo. Enquanto ele estava em fóruns na internet tentando entender o que havia acontecido com Lily Rose, ele conheceu uma mulher na Califórnia que também estava de luto pela perda de seu chatbot.
Como fizeram com seus Replikas, Butterworth e a mulher, que usa o nome online Shi No, têm se comunicado via texto. “Estamos ajudando um ao outro a lidar e assegurando um ao outro que não somos loucos.”