Quando subiu palco da FutureCom 2022, um dos maiores eventos de tecnologia e telecomunicações da América Latina em outubro passado, o cientista brasileiro Paulo Sergio Rufino Henrique, 44, falou sobre o futuro da internet sem fio. Ele não estava se referindo ao 5G, que havia chegado ao Brasil dois meses antes, mas, sim, ao 6G.
Já há alguns anos, o pesquisador se debruça em estudos para fazer a próxima evolução tecnológica existir. Segundo Rufino, o futuro padrão de conexões de internet deve não só acelerar a quarta revolução industrial, como ainda colocar a humanidade no centro desse futuro.
Apesar de ser uma evolução que ainda não começou, o pesquisador se debruça há anos em estudos para tirar do papel a próxima evolução tecnológica. Segundo Rufino, o futuro padrão de conexões de internet vai acelerar a quarta revolução industrial e colocar a humanidade no centro desse futuro.
“O diferencial da padronização do 6G é que ele possui objetivos econômicos e de desenvolvimento sustentável que devem melhorar o mundo, especialmente em regiões vulneráveis”, conta ele, coautor do livro “6G: The Road to Future Wireless Technologies 2030” (“6G: A Estrada para As Tecnologias Wireless do Futuro de 2030”, em tradução livre).
Com cerca de 25 anos de carreira na área da tecnologia, ele não é estreante nos palcos. Já se apresentou no Vale do Silício e no Fórum Econômico Mundial em 2021. Rufino diz a Tilt que, após uma longa jornada, percebeu que concretizou o que sempre sonhava: virou um cientista brasileiro pioneiro.
Agora, ele estuda qual salto o 6G terá de dar em relação às redes anteriores para o mundo chegar a uma “nova revolução industrial”. Os parâmetros da tecnologia móvel de sexta geração serão estabelecidos em 2025. Até lá, diversos grupos, como o de Rufino, propõem ideias para lapidar o novo padrão.
Quando fala do seu trabalho, Rufino diz ter esperança de que o 6G traga às pessoas as mesmas oportunidades que a tecnologia trouxe a ele.
Se eu cheguei aqui, é porque não fui sozinho. Ninguém se faz sozinho. Isaac Newton disse: ‘se eu vi mais além é porque eu tava sentado sobre ombros de gigantes’. Meus gigantes são meu pai, minha mãe, meus avós, minhas irmãs.”
É quebrando que se aprende
Filho de Henrique Egidio Filho, um carpinteiro que virou contador, e de Vera Leopoldina Rufino Henrique, funcionária do SESI (Serviço Social da Indústria), Rufino elaborou seu primeiro “experimento científico” ainda era criança.
Tentou descobrir sozinho como funcionava um carrinho de controle remoto. Para desespero dos pais, desmontou em uma só martelada o presente de aniversário. “Queria ver o que tinha por dentro”, diz, rindo. “Já era o espírito do engenheiro elétrico”, completa, acrescentando que o brinquedo nunca voltou a funcionar.
O casal criou o filho e duas irmãs numa Vila Madalena, bairro de São Paulo, dos anos 80, longe da gentrificação, entre livros de ciência e literatura, e, ao mesmo tempo, de imagens religiosas, conta o pesquisador.
Cansado e endividado
O caminho pelo mundo da ciência envolveu anos de estudo e desafios financeiros. Para custear a mensalidade do curso de engenharia elétrica na Faculdade de São Paulo, onde ingressou em 1999, Rufino recorreu ao Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), programa criado naquele ano.
“Só terminei de pagar os empréstimos em 2015, quando morava na Inglaterra”, diz. Nos tempos de universitário, os pais o ajudavam e ainda custeavam os cursos superiores de biologia e de jornalismo das irmãs.
Para inteirar as contas, Rufino atravessava a cidade como técnico de campo na UniSys, famosa por criar as primeiras urnas eletrônicas. Lá, arrumava caixas de supermercado, terminais bancários e servidores. Chegava atrasado na aula e de madrugada em casa.
“Eu andava de ônibus de Pinheiros, Lapa e Freguesia até Alphaville [na cidade de Barueri]. Nos dois últimos anos [da faculdade] estava exausto. Imagina o terror que é Cálculo II e III, depois de um dia todo?”, diz.
Ainda que a rotina não permitisse estudar direito, ele tinha que dar um jeito. Se bombasse em uma disciplina, poderia perder o auxílio do Fies.
Formatura e a vantagem de saber inglês
Depois da jornada de cansaço, a sorte – amparada com muita competência — começou a bater à porta. Com o diploma universitário no bolso, Rufino estudou inglês por um ano, o que o gabaritou para fazer a ponte com funcionários da UniSys nos Estados Unidos.
Foi um desses atendimentos que mudou sua vida: em 2005, Rufino intermediou por quatro horas o suporte internacional a uma empresária do Rio de Janeiro, que não falava a língua. A paciência fez a cliente procurá-lo. Era “o cara certo” para um posto na British Telecom, recém-chegada no Brasil.
“Fiquei com medo, e não mandei [o currículo]. Mas a moça insistiu. Dois dias depois, estava [trabalhando] na British Telecom”
Em cinco anos, foi de suporte a chefe de equipe, assumindo o lugar de Sérgio Paulo Galindo, hoje presidente da Brasscom. Mais dois anos, e foi convidado para trabalhar em Londres. Precisavam de um profissional com experiência em backbone (estruturas físicas dos servidores) para trabalhar no primeiro canal de TV em 4K do Reino Unido.
O visto para a viagem só foi emitido em 31 de março de 2009, último dia antes de o governo britânico suspender a emissão devido à crise econômica.
O profissional preto tem que ser dez vezes melhor
Em abril de 2010, ele já morava em Londres e, aos 32, comandava uma equipe de 20 pessoas. Entre engenheiros e ex-militares, imigrantes da Índia e América do Norte, todos eram muito experientes, com idades de 50 a 60 anos.
Na primeira semana, eu tava rezando para ter um problema. Queria sentar do lado do cara e mostrar que eu sabia o que eu tava falando, para aceitarem minha autoridade. Na nossa comunidade, você tem que ser dez vezes melhor do que o branco para você se sobressair”
Com o tempo, Rufino encontrou mais do que reconhecimento no trabalho. Conheceu ali sua esposa, a professora grega de artes Foteini.
No ano seguinte, o pai teve um aneurisma e ficou em estado grave. Rufino voltou ao Brasil e ficou com ele na UTI. Só retornou ao trabalho depois de um mês de ausência. Só soube o que ocorreu ao pousar em Londres. “Meu pai faleceu no meu voo de volta.”
Depressão e o brilho das conquistas
Em 2014, reuniu forças para continuar a estudar e entrou no mestrado em Ciências na Brunel University, na área de comunicações wireless.
A rotina, porém, era pior que a dos tempos de universitário no Brasil: virava madrugada trabalhando para, no dia seguinte, ir à aula, movido a energético. Tudo isso temendo o pior: seu visto não permitia permanência no Reino Unido para estudo. Bastava alguém denunciá-lo, e seria o fim do sonho. Mas a referência de sofrimento de Rufino era outra.
Numa família negra tem aquela coisa. Você não sabe o que os nossos antepassados devem ter passado. Então você não pode reclamar.”
Ainda assim, o colapso chegou. O engenheiro entrou numa depressão severa que tirou o brilho das conquistas profissionais e acadêmicas.
Só depois de três anos de terapia e acompanhamento, ele conseguiu externalizar suas tristezas. Até então achava tudo pequeno quando comparava com as dores de seus pais e avós.
Conexão Reino Unido e França
Quando pensava em se mudar de Londres com a esposa, Rufino conseguiu em 2017 um emprego numa startup na França, onde mora até hoje.
Após fazer uma apresentação sobre 5G no Vale do Silício em 2018, o brasileiro fez amizade com Anand Prasad, filho de Ramjee Prasad, pesquisador na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, e um dos 150 maiores cientistas do mundo. Anand intermediou um contato com o pai, e logo marcaram uma entrevista.
Apresentei meu projeto sobre 5G, super nervoso. Ele falou: ‘se você quiser [o doutorado], esquece 5G. Nós vamos falar de 6G’.”
Após ser reescrito, o projeto foi selecionado, e agora Rufino tem uma bolsa de estudos em Aarhus para estudar como será o futuro da internet móvel será.