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IA vai ajudar no estudo da comunicação animal

IA vai ajudar no estudo da comunicação animal

Quando Pedro mudou para o sítio onde está atualmente, Bobinho veio com os móveis e utensílios deixados pelos antigos moradores. Bobinho é um vira-latas clássico. Tem problemas nas articulações, manias, um ciúme doentio de outros cães, uma fome insanável e é surdo.

Pedro costuma conversar com os animais. Cães, gatos, cavalo, pássaros, se cruzar com algum. Mas, com Bobinho, a conversa não prospera. Quando não está dormindo e roncando (sim, Bobinho ronca), simplesmente ignora ordens ou argumentos e mantém a rotina de comer a comida dos outros, rosnar e latir sem motivo.

Pois os problemas de Pedro com Bobinho – e de tantos outros humanos com animais – podem estar prestes a acabar, graças à inteligência artificial. Os mecanismos que têm sido utilizados para analisar e traduzir idiomas humanos estão sendo agora aplicados para estudar a comunicação animal. E os resultados são promissores.

Uma das organizações envolvidas é Earth Species Project (ESP). Katie Zacarian, CEO e cofundadora considera provável que, dentro de algum tempo, tenhamos uma comunicação bidirecional com animais.

A ESP, uma organização sem fins lucrativos com sede na Califórnia, nos Estados Unidos, tem como presidente Aza Raskin, filho do criador do Macintosh e que fez fama e fortuna no Vale do Silício. Em 2006, ele inventou a rolagem infinita que usamos até hoje nas mídias sociais e depois fundou uma startup de streaming chamada Songza, que o Google comprou. Raskin pretendia que as empresas tecnológicas ajudassem a humanidade e depois de algumas tentativas voltou-se para a comunicação com os animais.

Para tentar isso, o Earth Species Project está aplicando o processamento de linguagem natural – técnica de IA por trás dos softwares de tradução humana e de chatbots como o ChatGPT, da OpenAI – sobre gravações de sons produzidos por morcegos, golfinhos, elefantes e baleias jubarte. Até agora nenhuma língua foi decodificada, mas já há um algoritmo capaz de isolar os sons de um único animal individual. Segundo Raskin, esse é o primeiro passo, tão complicado quanto o de isolar uma única pessoa falando numa sala lotada.

Numa entrevista recente à revista Time, Raskin afirmou que a civilização não pode existir sem a cultura acumulada e o conhecimento que vêm da linguagem. Isso está bem no centro da identidade humana. Quanto mais você olha, mais percebe as identidades humanas ligadas à linguagem, e isso mostra que há algo realmente importante para examinarmos. Porque, mesmo que consigamos retirar todo o carbono da atmosfera amanhã (o que deveríamos fazer), isso não resolveria o problema central, que é o ego humano.

Precisamos mudar a maneira como nos vemos, a maneira como nos relacionamos conosco e, portanto, com o resto do mundo. Essa é a conexão com a tecnologia. Uma vez que pudermos mudar essa identidade, isso cria a oportunidade para padrões inteiramente novos de comportamento e para resolver esses problemas. A grande esperança é que existam esses momentos no tempo, quando temos uma mudança de perspectiva.

“Os humanos falam em voz alta e transmitem cultura há algo entre 100.000 e 300.000 anos. Para baleias e golfinhos, são 34 milhões de anos. Geralmente as coisas mais sábias terão durado mais tempo. Imagine que tipo de sabedoria pode haver em culturas que existem há 34 milhões de anos. Só isso me dá arrepios.”

Raskin acredita que as baleias sofrem luto – e mostra a imagem de uma baleia carregando o filhote morto há dias para provar isso – e explica que tem chimpanzé capaz de usar o Instagram.

Especificamente sobre o uso da inteligência artificial para decodificar as linguagens dos animais, o avanço mais recente é de 2017, quando os cientistas conseguiram que a inteligência artificial visualizasse as línguas, humanas ou animais, como formas.

De certo modo, isso permite que hoje, ao colocar três segundos da voz de qualquer pessoa num computador, a máquina seja capaz de continuar a produzi-la com a mesma dicção, prosódia, identidade e coerência semântica por mais algum tempo – até oito segundos, pelo menos. Nos próximos meses (atenção! Meses, afirma Raskin), será possível fazer a mesma coisa com a “voz” de animais.

Outras organizações estão trabalhando na mesma direção. O pessoal da Cetacean Translation Initiative – CETI quer registrar centenas de milhares de conversas inteiras entre dezenas de baleias diferentes, totalizando milhões, ou até bilhões de unidades de comunicação. Para isso, o líder do grupo, o biólogo marinho David Gruber, está estudando uma conhecida população de cachalotes na ilha de Dominica, usando estações de escuta subaquáticas, drones carregando hidrofones e peixes robóticos que nadam entre elas gravando áudio e vídeo para reunir o maior conjunto de dados de comportamento animal já registrado e disponível em código aberto, para que outros pesquisadores os utilizem.

A equipe, enorme, reúne com estudiosos do Imperial College, MIT, Harvard e outras universidades e tem o suporte, entre outros, de Twitter, Google e Amazon.

O material coletado será submetido a um sistema de machine learning. Dali deve sair um modelo funcional do sistema de comunicação das cachalotes, que depois será testado a partir de chatbots. O teste dos modelos de linguagem deve permitir que as máquinas antecipem as comunicações seguintes das baleias. E, no final, vão ainda conferir se as baleias de verdade respondem como previsto.

Eles acreditam que até 2026 serão capazes de se comunicar com baleias e, com elas, trocar ideias e experiências.

Um dos desafios é ir além do reconhecimento de padrões que a inteligência artificial proporciona. Para Karen Bakker, professora da University of British Columbia (Canadá) e autora de “The Sounds of Life: How Digital Technology is Bringing Us Closer to the Worlds of Animals and Plants”, isso significa vincular a comunicação animal ao comportamento desses emissores.

A análise da comunicação animal baseada em IA inclui conjuntos de dados de bioacústica (registro de organismos individuais) e ecoacústica (registro de ecossistemas inteiros). Em outubro do ano passado, o Earth Species Project publicou o primeiro benchmark disponível publicamente para medir o desempenho de algoritmos de aprendizado de máquina em pesquisa bioacústica, que utiliza dez conjuntos de dados de várias comunicações de animais e estabelece uma linha de base para classificação de aprendizado de máquina e desempenho de detecção.

Os dados se baseiam em gravações de pássaros, anfíbios, primatas, elefantes e insetos, como abelhas, mas a comunicação de cães e gatos domesticados também está sendo estudada. Segundo os especialistas, a comunicação entre os cetáceos (baleias, golfinhos e outros mamíferos marinhos) é especialmente promissora, entre outras coisas porque eles são muito antigos e porque a luz não se propaga bem embaixo d’água, o que os forçou a usar o canal acústico.

Em resumo, Pedro e Bobinho vão ter de esperar. Talvez não muito.

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