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IAs na arte não são novidade. Então por que agora incomoda artistas?

IAs na arte não são novidade. Então por que agora incomoda artistas?

Inteligência artificial gerando arte não é um assunto novo, tenho falado sobre isso aqui na coluna há pelo menos 2 anos. Mas o avanço, tanto da tecnologia como de seu uso, começou a causar cada vez mais incômodo nos artistas, e a gota d’água parece ter acontecido esta semana no ArtStation.

Para quem não sabe, o ArtStation é talvez o site mais importante da internet quando se trata de portfólios de artistas. Se alguma vez você procurou imagens de artistas, certamente você viu algo postado lá.

O problema é que a plataforma começou a aceitar artes feitas por inteligência artificial. Com a reclamação dos artistas, eles se posicionaram e a resposta foi compreendida como um “vamos seguir a lei e vocês que lutem”.

Esta postura fez brotar aquele velho sentimento de abuso. O tal “essa rede só existe pelo nosso trabalho”, algo que já vimos acontecer em diversas outras plataformas alimentadas por pessoas.

Com isso, diversos artistas começaram a protestar nas redes sociais e colocar uma imagem de boicote em seu portfólio na ArtStation.

Em alguns momentos, a home do ArtStation ficou praticamente tomada pelo protesto, sobrando apenas os espaços de canais patrocinados da própria plataforma.

Protestos de artistas tomaram a página inicial do site de portfólio ArtStation - Reprodução - Reprodução

Protestos de artistas tomaram a página inicial do site de portfólio ArtStation

Imagem: Reprodução

Como não poderia deixar de acontecer, vários artistas usaram sua arte como protesto, criando criticas com ironia. Foi o caso de Veronika Kozlova, mostrando o dedo do meio para uma mão com uns 12 dedos, um erro bem comum em artes geradas por IA.

Veronika Kozlova criou arte que ataca erro bem comum em ilustrações geradas por IA - Reprodução - Reprodução

Veronika Kozlova criou arte que ataca erro bem comum em ilustrações geradas por IA

Imagem: Reprodução

O que eu achei estranho foi ver, principalmente em posts de artistas brasileiros, muitos comentários criticando os artistas.

Gente que apontava a semelhança dos músicos brasileiros na Marcha da Guitarra Elétrica na década de 60. Alguns lembrando de fotógrafos reclamando das câmeras digitais e outras comparações de categorias reclamando de tecnologias que deixariam o trabalho mais fácil de ser usado por amadores.

Vejo alguns problemas nessas comparações. A Marcha da Guitarra nem era contra a tecnologia em si, mas contra o Rock. Ok, não deixa de ser uma proteção de mercado, mas, ainda assim, diferente.

E existe uma diferença muito grande entre facilitar o uso para amadores de substituir por completo. Qualquer um pode ser DJ hoje em dia, mas se eu quiser uma música de qualidade na minha festa, terei que pagar alguém por isso. Também posso tirar minhas próprias fotos com o meu celular, mas ainda assim, se eu quiser registrar direito, contrataria um fotógrafo profissional.

Com o caminho que a IA está tomando, poderemos substituir uma boa parte do trabalho que muita gente está fazendo. Advogados, músicos, ilustradores etc.

Mas existem duas discussões aqui.

Se os artistas estão reclamando que IA pode fazer arte, esta é uma discussão perdida e inútil. Pode ser triste, mas assim como vai acontecer com os caminhoneiros, boa parte desse trabalho será substituído.

Todos? Claro que não, mas será o suficiente para abalar este mercado.

Porém, existe um outro ponto a ser discutido. Quem entende o básico sobre IA, entende que ela precisou de exemplos para entender o que é arte.

Quando você pede para ela fazer um gatinho fofinho, a ferramenta precisou ser treinada com diversas fotos de gatos e diversas artes classificadas como fofinhas. Se você pedir para IA criar sua foto, mas como se tivesse sido pintada pelo Romero Britto, ela só vai conseguir fazer isso se tiver sido alimentada por diversas artes feitas por este artista.

A inteligência artificial aprende com exemplos. E advinha de onde eles vieram? Sim, dos profissionais da área de carne e osso.

A artista Lauryn Ipsum até notou algo curioso. Muitas destas artes geradas pela IA tem uma “assinatura” no trabalho. Como a IA foi treinada com muitas artes assinadas, achou que isso também deveria estar na arte gerada por ela.

Portanto, tem uma parte dessa discussão que não tem relação nenhuma com “mimimi”, “medo do novo” ou “olhem pra mim, eu sou um artista de verdade” e outros comentários que li nestes posts.

A reclamação é pertinente. A arte desses artistas foi usada para criar uma ferramenta que está sendo usada comercialmente e eles não estão ganhando nada por isso.

Não é uma discussão simples. Porém, nada mais legítimo que a parte que se sente prejudicada puxar a discussão.

Uma criança entende o que é um gato, pois viu ao longo de sua curta vida, um monte de gatos (e alguém dizendo “olha, isso é um gatinho”). Quando ela desenha um gato, faz isso baseado em um modelo mental que formou olhando todos eles. Ela não se lembra de um gato específico que viu. Mesmo para um artista, é impossível saber o quanto de sua arte foi inspirada e influenciada por outros artistas.

Mas isso vale para a IA? Podemos dizer que ela foi influenciada por milhares de artistas e, por isso, não daria para dizer que ela copiou um especificamente? E os artistas, teriam direito de proibir que sua arte seja usada para isso?

O primeiro passo, no meu entendimento, seria obrigar os desenvolvedores a abrir a base pela qual a solução foi treinada. Com isso, artistas poderiam processar as plataformas e iniciar esta discussão na sociedade.

Esta é apenas uma das muitas discussões que precisaremos ter. Não será exclusividade de artistas. Nem do direito autoral e muito menos da inteligência artificial. A tecnologia está trazendo muitas discussões novas, de moral, ética e comercial. Antitruste, direito autoral, patentes, privacidade, direitos do consumidor, segurança etc.

A única certeza é essa, precisamos discutir.

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