Os motivos que levam o mercado a torcer o nariz para a indicação de Fernando Haddad ao Ministério da Fazenda são amplamente conhecidos.
De todos, o mais alardeado pela turma da Faria Lima é que, a mando de Lula, Haddad libere a gastança do governo, causando a disparada da inflação e o crescimento da dívida pública.
Mas é certamente na calibragem da urgentíssima reforma tributária que as credenciais de esquerda de Haddad mais incomodam.
Até porque o futuro ministro já afirmou que qualquer discussão sobre um novo “arcabouço fiscal” (ou seja, sobre os planos do governo para manter as contas no azul) depende justamente da aprovação da reforma — idealmente, no primeiro semestre de 2023.
Por que isso é importante?
Entre os economistas sérios, há consenso de que o sistema tributário brasileiro é muito “regressivo” — ou seja, pesa sobre os mais pobres e amacia para os mais ricos.
Isso se deve ao fato de que os impostos por aqui incidem mais sobre o consumo do que sobre a renda. Como os pobres gastam praticamente tudo o que ganham e não acumulam patrimônio, eles são proporcionalmente mais prejudicados.
O próprio Haddad já escreveu que, da década de 1960 para cá, o Brasil passou por dois “choques tributários” — o primeiro na ditadura militar e o segundo no Plano Real — baseados justamente na taxação do consumo.
Em ambos os casos, os resultados foram o mesmo: aumento da carga total de impostos e crescimento da concentração de renda.
Como deixar o sistema tributário mais eficaz e justo?
É verdade que a carga tributária no Brasil é alta — em torno de 33% do PIB.
Também é inegável que o sistema é burocrático e incompreensível para os reles mortais, o que acaba alimentado a indústria do chamado “planejamento tributário” para driblar a legislação.
Mas o ponto principal é que o sistema é essencialmente injusto.
Como definiu em entrevista a esta coluna o professor Manoel Pires, da Fundação Getúlio Vargas, um dos grandes especialistas do país no tema, “tem gente pagando mais do que precisa e gente evitando imposto”.
Nessa discussão, não há cloroquina econômica. Não se trata de só taxar grandes fortunas ou de aumentar os tributos sobre herança e as alíquotas do imposto de renda.
Também não basta acabar com a polêmica isenção dos lucros e dividendos — como, aliás, o próprio Paulo Guedes tentou emplacar, sem sucesso.
Uma reforma tributária efetiva precisa combinar todos esses remédios, de forma a tornar o sistema mais progressivo. Assim, quanto mais rico a pessoa for, mais imposto ela precisará pagar.
Brasil é praticamente um paraíso fiscal
Em geral, os críticos da progressividade repelem a ideia argumentando que isso pode promover uma “fuga de capitais”. De fato, encontrar o ponto ótimo da tributação é importante para evitar esse efeito colateral, que pode trazer prejuízos à economia do país.
Mas há fortes evidências de que, por aqui, ainda estamos a anos-luz de contar com um sistema que cobre o que deve dos ricos. Pelo contrário. Indo direto ao ponto: o Brasil é praticamente um paraíso fiscal para o andar de cima.
Haddad sabe que precisa romper com a política de tributação focada no consumo que se arrasta há mais de meio século.
Resta saber se o ministro terá o suficiente jogo de cintura para emplacar no Congresso Nacional uma reforma que combata a escandalosa concentração de renda do país.