“A vida como uma criptoempresa pode ser dividida em antes de Silvergate e depois de Silvergate”, escreveu Sam Bankman-Fried em uma citação apresentada no site do banco de San Diego que ele usou para transferir fundos de clientes para sua bolsa de ativos digitais FTX.
“É difícil exagerar o quanto isso revolucionou o setor bancário para empresas de blockchain.”
Silvergate era um candidato improvável para se tornar o banco por trás da cripto-exchange de US$ 40 bilhões que faliu no mês passado.
Durante a maior parte de seus 30 anos de história, foi um pequeno credor comunitário focado em financiar pequenos negócios imobiliários, com três filiais no sul da Califórnia e menos de US$ 1 bilhão em ativos.
Mas em 2019 estava rapidamente se tornando o maior banco de criptomoedas dos Estados Unidos, com 1.600 dos principais mineradores, exchanges e custodiantes de criptomoedas do mundo usando-o para depositar e transferir bilhões de dólares todos os meses.
Os depósitos aumentaram de cerca de US$ 2 bilhões em 2020 para mais de US$ 10 bilhões em 2021. Neste ano, o total de ativos tinha saltado para US$ 16 bilhões. Apenas dez meses após a listagem na Bolsa de Valores de Nova York no final de 2019, a US$ 12 por ação, o preço das ações da Silvergate subiu para mais de US$ 200.
“Esse era um pequeno credor imobiliário que apostou tudo na criptomoeda”, disse um ex-funcionário. “Foi completamente estranho.”
Mas a montanha-russa parou abruptamente na semana passada, com a Silvergate na mira dos senadores americanos que investigam a falência da FTX de Bankman-Fried, que foi acusada de manipular indevidamente depósitos de clientes que hoje enfrentam perdas de até US$ 10 bilhões.
A Silvergate “parece estar no centro” de como esses fundos foram movimentados pelo criptoimpério de Bankman-Fried, segundo uma carta de senadores dos EUA ao executivo-chefe do banco, Alan Lane. Ele disse que a falha em detectar tal “esquema” pode significar que a Silvergate violou as leis contra lavagem de dinheiro.
Lane tentou abordar as preocupações do mercado sobre suas ligações com a FTX em uma carta pública na semana passada, acusando os vendedores a descoberto de espalhar “especulação” e “desinformação”. Ele disse que o banco realizou “’due diligence’ significativa na FTX e entidades relacionadas”.
A Silvergate removeu silenciosamente o brilhante tributo de Bankman-Fried de seu site, juntamente com todas as referências a seu antigo cliente. O colapso da FTX eliminou dois dos principais clientes do banco: cerca de 10% dos ativos totais da Silvergate pertenciam à FTX, e seus clientes incluíam o credor de criptomoedas BlockFi, uma das principais vítimas do colapso. A FTX e suas “entidades relacionadas” mantinham cerca de 20 contas diferentes na Silvergate, de acordo com seus pedidos de falência.
O banco tem até 19 de dezembro para responder à carta e fornecer uma “contabilidade completa de sua relação com a FTX”.
Lane, um católico devoto de 60 anos e avô de mais de 20 crianças, que mora em Temecula, na Califórnia, é o cérebro por trás da notável mudança de estratégia da Silvergate nos últimos anos.
Contratado pelos fundadores da Silvergate, Dennis Frank e Derek Eisele em 2008, quando o banco estava em dificuldades, Lane planejava transformá-lo em um banco comercial de serviço completo, segundo pessoas próximas ao negócio. Ele já havia contornado uma série de pequenos bancos locais.
Mas em 2013 Lane começou a se interessar por criptomoedas. O bitcoin, então uma tecnologia nascente de quatro anos, teve um recorde naquele ano, subindo quase 7.000% para chegar a US$ 1.000 pela primeira vez. A criptografia lentamente começava a ser conhecida na corrente dominante.
“Precisávamos de depósitos, e Alan começou a ver que empresas como a Coinbase estavam sendo expulsas dos bancos”, disse Ben Reynolds, presidente da Silvergate que foi contratado por Lane em 2016 para turbinar sua estratégia de cripto. “Então a ideia era: se pudermos bancar a Coinbase, poderemos encontrar depósitos. Alan foi ao Federal Reserve e disse que queríamos fornecer serviços bancários básicos para empresas de bitcoin, e eles concordaram.”
Desconfiadas de uma classe de ativos emergente que estava ligada à lavagem de dinheiro e drogas ilegais, as principais instituições financeiras se recusaram a negociar criptomoedas e começaram a bloquear as transferências de clientes para compra de criptomoedas. Os bancos tradicionais também não estavam preparados para os traders de criptomoedas, que precisavam transferir dinheiro nos finais de semana.
Lane e Reynolds identificaram a lacuna e a ineficiência no mercado em rápido crescimento e aproveitaram a oportunidade, segundo o ex-funcionário. “Os dois na mesma sala simplesmente explodiram”, disse ele. “Os fundadores da Silvergate eram ambos corretores de imóveis, mas adoraram [a mudança de direção] porque ela rendeu dinheiro.”
Nos seis anos seguintes, Lane e Reynolds venderam a equipe de negócios bancários da Silvergate e reduziram seu grupo imobiliário. Sua base de clientes cripto cresceu de cerca de 20 empresas em 2016, incluindo Xapo, Paxos e Bitfury, para mais de 1.000, e sua administração começou a explorar formas mais arriscadas de reforçar seu balanço, incluindo o lançamento de uma stablecoin e a estruturação de empréstimos contra criptomoedas.
Em 2017, eles lançaram a Silvergate Exchange Network, ou SEN, plataforma que permitia que investidores em criptomoedas transferissem dólares americanos de suas contas bancárias para uma exchange instantaneamente e 24 horas por dia, 7 dias por semana, desde que a exchange e o investidor fossem clientes bancários da Silvergate.
Então, em março desse ano, a Silvergate emitiu um empréstimo de US$ 200 milhões para uma empresa de propriedade do criptobilionário americano Michael Saylor, seu maior passo de todos os tempos para emprestar dólares americanos garantidos por bitcoin.
“Alan viu essa oportunidade na criptografia, que ainda não entendo totalmente, e a transformou em algo que é uma operação e tanto”, disse seu mentor, ex-chefe e investidor da Silvergate, Frank Mercadante.
Mas havia muitos riscos. A Silvergate teve que empregar o dobro de funcionários de compliance do que bancos comparáveis de seu tamanho, de acordo com duas pessoas que trabalharam lá. Normalmente, leva seis meses para uma nova criptoexchange abrir uma conta bancária. “Os principais riscos são conheça-seu-cliente e antilavagem de dinheiro, e esses foram seriamente contemplados em 2014” –quando a Silvergate ganhou seu primeiro cliente de criptomoeda–, disse uma das pessoas. Em junho de 2021, a Silvergate encerrou seu relacionamento com a Binance, a maior bolsa de criptomoedas do mundo, por motivos não revelados.
“Quando eles entraram nisso, a criptografia era uma coisinha nova, e acho que eles não perceberam que decolaria tão rápido quanto decolou”, disse uma pessoa próxima à empresa. “Então eles colocaram todas as fichas naquela direção, a coisa escapou deles, ficou muito grande muito rapidamente.”
À medida que os legisladores avaliam o relacionamento da Silvergate com a FTX, o banco será forçado a examinar sua exposição a um setor não regulamentado, onde o risco de fraude e maus atores parece maior do que nunca.
“O banco não tem nenhuma responsabilidade real em impedir transações entre entidades que parecem legítimas”, disse uma pessoa próxima à Silvergate. “Isso é o que vai ao fundo de não haver regulamentação suficiente para as empresas de criptomoedas. Por exemplo, não há exigência de que alguém tenha que manter uma conta segregada que tenha apenas fundos de clientes.”
O preço das ações da Silvergate caiu à metade de seu nível antes do colapso da FTX e caiu quase 85% este ano, embora a US$ 23 ainda seja quase o dobro do preço do IPO. O banco enfrenta uma incerteza significativa sobre seus depósitos digitais, que caíram 60% até agora neste trimestre, segundo analistas do Morgan Stanley. “O fim da FTX também pode gerar litígios e riscos de títulos em todo o ecossistema de criptomoedas”, acrescentaram.
“Tínhamos um plano para o ano que foi contestado pelo ambiente atual, e ainda estamos tentando aceitar o que aconteceu”, disse Reynolds. “Você tem que fazer essas perguntas para onde vão os ativos digitais daqui. Esse é um grande problema de reputação para o setor, essas são as perguntas que estamos fazendo.”
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves