Há exatos 20 anos, no dia 1º de fevereiro de 2003, sete astronautas — seis americanos e um israelense — morreram em uma das maiores tragédias da Nasa: o ônibus espacial Columbia se desintegrou no céu dos Estados Unidos, poucos minutos antes do pouso esperado.
Para homenagear as vítimas, e todos os astronautas que já perderam a vida em missões espaciais, a Nasa realizou, no último dia 27, a cerimônia do “Dia da Lembrança”, no memorial do Centro Espacial Kennedy (KSC, na sigla em inglês), na Flórida.
“Este ano marca o 20º aniversário da perda da tripulação durante a reentrada da missão STS-107. Para alguns, parece uma vida inteira. Para outros, parece que foi ontem. Mas para nossa agência, é um tempo que vive aqui no presente, moldando nossa cultura, nossas decisões e nos ajudando a trilhar o caminho a seguir”, disse a diretora do KSC, Janet Petro.
Criado em 1991, o memorial Space Mirror exibe os nomes dos tripulantes da missão: Rick Husband (comandante), William McCool (piloto), Michael Anderson, David Brown, Kapala Chawla, Laurel Clark e Ilan Ramon — o primeiro israelense a voar para o espaço.
O Ônibus Espacial
O ônibus espacial (Space Shuttle) foi um veículo sofisticado e inovador. Ele era lançado verticalmente, como um foguete, mas na volta pousava em uma pista, com trem de pouso, como um avião comum.
Foi a primeira nave espacial reutilizável do mundo — assim, era uma maneira mais prática e barata de ir ao espaço. O programa durou entre 1981 e 2011, com cinco ônibus diferentes em operação: Challenger, Endeavour, Discovery, Atlantis e Columbia (o primeiro a ser lançado).
Veja os melhores momentos de uma viagem de ida e volta à Estação Espacial Internacional (ISS):
Foram muitos sucessos (como o lançamento do Telescópio Espacial Hubble e a construção da ISS), e 14 mortes, em dois grandes acidentes — o primeiro aconteceu em 28 de janeiro de 1986, com a explosão do Challenger (missão STS-51-L), um minuto após a decolagem, matando os sete tripulantes.
Com o Columbia (STS-107), 17 anos depois, foi diferente, pois ele teve uma viagem bem-sucedida de duas semanas no espaço, em que os astronautas realizaram importantes pesquisas científicas sobre microgravidade.
O acidente
- Columbia decolou do Centro Espacial Kennedy em 16 de janeiro de 2003.
- O acidente aconteceu 15 dias depois, no processo de retorno à Terra.
- O ônibus espacial se desintegrou quando sobrevoava a região do Texas, rumo à Flórida, onde pousaria.
- O acidente foi causado devido a uma fissura no escudo térmico de carbono, na ponta da asa esquerda.
- Um minuto e meio após o lançamento, um pedaço do revestimento de espuma do tanque externo de combustível se soltou, a 640 km/h, e causou a avaria.
- Isto não foi detectado no momento em que ocorreu, e Columbia seguiu viagem.
- A Nasa percebeu que o ônibus havia sido atingido apenas no dia seguinte, quando ele já estava em órbita, ao analisar imagens do lançamento.
- Como impactos de espuma não eram incomuns, a agência preferiu não investigar a nave, em busca de algum dano que pudesse ameaçar sua segurança.
- Quando reentrou em alta velocidade na atmosfera terrestre, o forte calor e atrito fez com que o buraco aumentasse cada vez mais.
- Plasma superaquecido foi entrando pela estrutura da asa e Columbia começou a derreter e se desintegrar.
Do solo, a vista foi como um grande meteoro múltiplo, registrado por canais de TV e por radares da Força Aérea.
Tragédia poderia ter sido evitada?
O governo dos Estados Unidos montou um comitê independente, chamado CAIB (Columbia Accident Investigation Board) para investigar o acidente. Aproximadamente 84.000 pedaços foram recuperados nos meses seguintes, representando cerca de 40% do peso do ônibus espacial. Alguns restos mortais dos astronautas também foram encontrados e identificados por DNA.
Basicamente, conclui-se que foi um grande azar: o impacto da espuma aconteceu no momento exato para causar um dano catastrófico, em uma das poucas partes da nave que não tem nenhuma forma de redundância.
Mas as decisões da Nasa, que ignorou suas próprias regras de voo e cultura de segurança, também foram apontadas como erros. A agência continuou a missão normalmente, mesmo sabendo que a espuma de isolamento estava se soltando do tanque externo e que poderia haver algum dano significativo na asa.
Se a agência percebesse a avaria assim que ocorreu e decidisse agir, daria para salvar a missão?
Bom, seria bem difícil. A nave já estava condenada assim que foi atingida — mas, em tese, poderia-se tentar salvar os astronautas.
Os investigadores sugeriram uma ação digna de filme: enviar o ônibus espacial Atlantis para um resgate em movimento no espaço. Ele se posicionaria de cabeça para baixo sobre Columbia, e os astronautas passariam de uma nave para outra, em uma manobra arriscada.
Seria uma corrida contra o tempo para preparar Atlantis (que estava parcialmente desmontado) e criar um plano ousado do zero. Columbia poderia ficar voando por no máximo um mês com os suprimentos (ar, alimentos e combustível) que carregava.
Quatro dos melhores astronautas seriam escolhidos, pois não haveria espaço para erro. Os riscos seriam tremendos — mais vidas e outra nave poderiam ser perdidas.
Consequências
A tragédia motivou uma reformulação do programa espacial norte-americano, que ficou mais conservador. Diversas alterações foram feitas a fim de evitar novas tragédias.
- A exploração espacial foi pausada; primeiro como luto e depois para entender as causas do acidente.
- O governo do então presidente George W. Bush decidiu encerrar o programa Space Shuttle.
- Os três ônibus espaciais restantes (Endeavour, Discovery e Atlantis) voltaram a operar em 2005, para conclusão da ISS.
- Os lançamentos seguintes aconteceram durante o dia (para ser mais fácil de visualizar danos) e com outro ônibus espacial a postos para o caso de uma emergência, além de um plano de contingência envolvendo a ISS.
- Em 2011, o Atlantis fez sua última viagem e o programa foi desativado.
- A Nasa foi reestruturada e alguns funcionários envolvidos na missão foram remanejados.
A partir daí, a agência espacial dos Estados Unidos não tinha mais como levar astronautas ao espaço sozinha. Foi assim que se iniciou a parceria com a Roscosmos, a agência espacial russa, para lançamentos a partir do Cazaquistão, com o foguete Soyuz.
Esta lacuna também abriu caminho para empresas aeroespaciais privadas, que nos anos seguintes passaram a levar cargas comerciais e científicas e astronautas para o espaço. A mais importante é a SpaceX, com o foguete Falcon 9 e a cápsula Dragon.
Apenas recentemente, 11 anos depois, a Nasa voltou a ser capaz de ir ao espaço sozinha, a partir de solo norte-americano e com tecnologai própria. Em novembro de 2022, o foguete SLS (Sistema de Lançamento Espacial) enviou a cápsula Orion para uma viagem à Lua, na missão Artemis 1.
Outros acidentes
Janeiro é um mês fatídico para a exploração espacial. O “Dia da Lembrança” de 2023 marcou três tragédias que jamais serão esquecidas: 20 anos do Columbia; 37 anos do Challenger; e também 56 anos da Apollo 1.
A primeira missão do programa Apollo, que levou o homem à Lua, teve um capítulo terrível: em um teste em solo, a nave pegou fogo, matando seus três astronautas asfixiados, em 27 de janeiro de 1967.
“Este dia, obviamente, é para homenagear nossos profissionais que perderam a vida. Mas o mais importante é para não esquecermos as duras lições aprendidas com tragédias espaciais como a Columbia”, disse Bob Cabana, administrador associado da Nasa e ex-astronauta.
Outras cerimônias pelo país lembraram a data. No Johnson Space Center, em Houston, um sobrevoo do jato T-38 concluiu a celebração do Astronaut Memorial Grove, onde árvores foram plantadas para cada astronauta da Nasa que morreu.
Coroas de flores e bandeiras foram colocadas no Langley Research Center, na Virgínia, no Marshall Space Flight Center, no Alabama, e no Stennis Space Flight Center, no Mississippi.
“O Dia da Lembrança é sobre pausar, lembrar e exaltar os legados da família Nasa, dos que deram suas vidas para promover descobertas. Embora este seja sempre um dia solene, também é um dia de gratidão. Somos gratos por esses aventureiros terem compartilhado suas vidas conosco e tornado a vida melhor na Terra”, disse Bill Nelson, administrador da Nasa, em um comunicado.
“À medida que continuamos a expandir o alcance da humanidade nesta nova era de exploração espacial, devemos sempre abraçar o valor central da segurança da Nasa”, acrescentou.